As Estruturas de Madeira e a Reabilitação de Edifícios Antigos
Estando hoje o mundo sob um paradigma onde a preservação das preexistências e as intervenções pouco intrusivas nos edifícios existentes são muitas vezes “lei”, fazemos uma reflexão sobre as regras principais que garantem a “sustentabilidade natural” das estruturas de madeira. No contexto deste artigo, podemos definir esse conceito, de uma forma muito sintética, da seguinte forma:
- as estruturas de madeira devem manter a sua “integridade”, ou seja, perder o mínimo possível de material lenhoso na sua fase de utilização;
- o uso a que as estruturas de madeira estão sujeitas não deve fazer aumentar os “defeitos” originais das peças.
Com vista a atingir os dois objetivos enunciados, é fundamental manter a madeira com um teor de água o mais constante possível, dentro de valores baixos entre 12 e 16%, o que se consegue com ventilação desejavelmente natural dos espaços envolventes das estruturas e com um adequado controlo das “infiltrações” de água líquida nos edifícios que permita que esse objetivo seja atingido.
Este artigo baseia-se, sobretudo, em conteúdos antes produzidos pelo autor nos livros [1] e [2]. Estes dois documentos representam as principais recomendações de leitura complementar que se sugerem sobre o tema “Reabilitação de Estruturas de Madeira”, repetidamente na componente Arquitetura e Engenharia Civil.
Fontes de humidade nos edifícios
Nos edifícios antigos, de uma forma sintética e não exaustiva, as principais fontes potenciais de humidade, sob a forma líquida, são:
- água proveniente dos solos e pavimentos térreos interiores e exteriores, envolventes das fundações e muros de suporte em caves enterradas, por infiltração direta ou ascensão capilar;
- água proveniente de chuva incidente em fachadas e empenas e que se introduz no interior do edifício por atravessamento das paredes em zona comum ou pelos vãos exteriores;
- água proveniente das coberturas (telhados com pendente insuficiente; pontos singulares como rufos junto a chaminés ou claraboias; telhas partidas; elementos emergentes porosos em pedra ou outros materiais; caleiras; etc.);
- água proveniente do mau funcionamento dos sistemas de recolha de águas pluviais (caleiras inexistentes; deficiência nas pendentes de caleiras; deficiente ligação caleira/cobertura em telha; deficiente ligação caleira/tubos de queda; mau funcionamento dos tubos de queda; etc.).
A estas há que juntar a entrada de água nas construções sob a forma de condensações e a que porventura provenha de fugas nas instalações de abastecimento de água e/ou de saneamento.
Água e madeira
Água e madeira não se dão bem…
Em geral, os xilófagos precisam de água para viver e para crescerem em número e áreas/volumes onde habitam.
Neste contexto, se conseguirmos evitar que a madeira esteja em contacto com água por períodos longos e que, ao mesmo tempo e sobretudo em consequência disso, tenha um teor de água relativamente estável entre 12 e 16%, ao longo do tempo, garantiremos a “sustentabilidade natural” das estruturas de madeira.
A regra principal a registar para manter a água afastada da madeira é a seguinte:
- a madeira não deve permanecer em contacto com fontes de humidade por períodos longos; se esse contacto for inevitável, a água deverá desaparecer rapidamente por ventilação e/ou escoamento natural.
Relação entre o edifício e a envolvente exterior
Em termos de Arquitetura, ao intervir em edifícios antigos e com vista a proteger a madeira das fontes potenciais de humidade, deve-se:
- baixar o nível freático do local de implantação do edifício por ventilação ou drenagem de pavimentos térreos e na periferia das fundações;
- proteger a construção dos ventos dominantes, usando árvores de folha caduca de porte médio, afastadas da construção pelo menos entre 5 e 10 metros, de modo a garantir sombreamento nas estações quentes, e ventilação e proteção contra chuva incidente em todas as estações;
- drenar convenientemente as águas das chuvas nos pavimentos situados na envolvente dos edifícios, garantindo que estas “divergem” da construção e não o contrário.
Ventilação natural
Se possível, é fundamental garantir a ventilação de todos os espaços existentes na envolvência das estruturas de madeira, tais como:
- espaços existentes entre os pavimentos de “sobrado” e os tetos falsos abaixo destes;
- desvão das coberturas;
- espaços existentes entre a estrutura das escadas e os “forros” situados abaixo destas;
- todas as paredes ou outros elementos verticais em madeira (também os decorativos, como rodapés altos ou lambrins), encostados a paredes exteriores em pedra.
Melhoria da estanquidade da cobertura
Em intervenções de reabilitação de edifícios antigos, constitui normalmente uma melhoria interessante colocar uma sub-telha, tal como a figura 1 ilustra. Para ser eficiente, a conceção e execução deste trabalho deverá garantir que a madeira onde a sub-telha apoia “respira”, e que a água eventualmente recolhida pela sub-telha sai efetivamente para o exterior!
Tal não invalida que possam ser adotadas soluções muito menos intrusivas tal como a adotada na Reabilitação da cobertura da Igreja Matriz de Caminha, construção do final do século XV/ início do século XVI, efetuada em 2002/2003, em que se adotou um esquema de ventilação natural do espaço situado entre o teto interior decorativo em madeira e o revestimento exterior em telha através da realização, no forro de madeira, de “frinchas” com 10 mm de espessura média e duas grandes aberturas junto às paredes limites em alvenaria de granito, de cada um dos lados da cobertura, tal como a figura 2 ilustra.
Conclusão
Os princípios-chave do controlo natural da humidade em estruturas de madeira em edifícios antigos são:
- garantir a ventilação natural de todos os espaços em contacto com a madeira;
- garantir que a água eventualmente proveniente de infiltrações ou condensações seja rapidamente eliminada por secagem natural (resultante da ventilação) ou drenagem natural (proveniente do não “aprisionamento” da água), nunca devendo aquela ficar acumulada/retida na construção, na vizinhança das peças de madeira.
Referências bibliográficas
[1] – Peixoto de Freitas, V. e outros – Manual de apoio ao Projeto de Edifícios Antigos – Ordem dos Engenheiros, Região Norte, Porto, 2012 – ISBN: 978-972-99918-7-5
[2] – Negrão, J.; Amorim Faria, J.- Projeto de Estruturas de Madeira, Publindústria, Porto, juno 2009 - ISBN: 978-972-8953-36-2
Títulos figuras – INFORMATIVO
Figura 1 – Imagem de sub-telha na recuperação do telhado de uma igreja no Porto
Membro do Conselho Científico da Construção Magazine / Professor na FEUP
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