Segurança na Construção
É inaceitável que no Século XXI alguém morra enquanto trabalha devido à falta de prevenção técnica ou tecnológica. A Construção em Portugal registou, em 2020, um número elevado de acidentes mortais, como publicado no Boletim do MTSSS/GEP: “36 num total de 131”. São números que colocam o setor da Construção em primeiro lugar, comparativamente com os restantes setores de atividade económica. Torna-se um aspeto preocupante, particularmente se se atender à Diretiva Europeia 57 de 1992, que aponta como evitável cerca de dois terços dos acidentes nas fases de projeto e de preparação da obra.
Nestas duas fases, os engenheiros assumem um papel principal nas tomadas de decisão que podem evitar os acidentes. De acordo com o boletim já citado, a adoção das medidas adequadas poderia ter evitado que cerca de vinte e quatro agregados familiares ficassem sem um dos seus membros.
A razão principal que motivou a participação dos autores convidados para esta edição da CM é, com certeza, partilhar reflexões que possam contribuir para evitar mortes, acidentes graves e outros acidentes nas atividades do sector da Construção. A Engenharia tem um papel indispensável em prevenir o que é evitável! O projeto e o planeamento adequado das obras devem ambicionar a antecipação da identificação dos riscos e a respetiva mitigação ou eliminação e, por isso, deve ser desenvolvido pelos profissionais com preparação técnica adequada.
Além desta fase de intervenção da Engenharia no projeto e na preparação das obras, a formação dos técnicos, dos operários, dos fornecedores, dos subempreiteiros e dos trabalhadores independentes envolvidos no processo de construção é fundamental e deveria ser obrigatória. Alguns países da União Europeia exigem, por exemplo, para entrar num estaleiro de construção, a demonstração de evidências de formação específica na prevenção de acidentes (Safety Card). Além da preparação dos intervenientes na construção, é necessário perceber que a legislação da União Europeia, transcrita para a legislação nacional dos países membros, atribui responsabilidades aos diferentes intervenientes no processo construtivo. Uma das implicações associadas consigna o maior conjunto de responsabilidades aos donos de obra. E isto atribui aos donos de obra o custo da prevenção dos acidentes e dos problemas de saúde nos estaleiros da construção. Ou seja, estes têm de assumir que vão ter de pagar os custos da prevenção de acidentes nas obras.
Em alguns países da União Europeia as percentagens dos custos da prevenção oscilam entre oito e doze por cento do custo total. Como resultado direto refira-se, a título de exemplo, que nas obras associadas à construção das infraestruturas dos Jogos Olímpicos de Londres não houve um único acidente mortal. Outra consequência é que os donos de obra devem contratar, na maioria dos casos, a coordenação de segurança na fase de projeto e, eventualmente, na fase de execução. De facto, a coordenação de segurança nas obras deve ser encarada como um projeto de especialidade, como as estruturas, a térmica ou a acústica. A inadequada perceção da importância da coordenação de segurança é agravada com a própria designação atribuída ao projeto de segurança e saúde, isto é: Plano de Segurança e Saúde.
Estas e outras razões têm colocado em muitas situações as preocupações e as exigências com a prevenção de acidentes em obras temporárias, como são os estaleiros, num nível inferior ao patamar da prevenção de acidentes em obras definitivas. É de notar que a produção das Diretivas Europeias se baseou nas características intrínsecas das obras, considerando as diferenças entre elas, que exigem projetos de prevenção específicos para cada tipo de obra, função dos procedimentos e tarefas associadas. De realçar que cada projeto deve ser desenvolvido com rigor exigido, e não deve ser uma adaptação de planos de segurança tipo.
Estas atividades incluídas no projeto de segurança e saúde devem fazer parte dos documentos a concurso, com desenhos, memória descritiva, mapa de quantidades e caderno de encargos. Estes documentos, ao fazerem parte de cada contrato, identificam o que cada dono de obra terá de custear para prevenir os acidentes e garantir condições adequadas nas obras, dignas de sociedades modernas do século XXI. Esperando que esta publicação contribua para se atingir uma visão zero (Vision Zero) da ISSA.
Em colaboração com Alfredo Soeiro, co-editor da Construção Magazine nº114
Diretor da Construção Magazine / Professor na FEUP
Se quiser colocar alguma questão, envie-me um email para info@construcaomagazine.pt
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