A Qualidade da Construção
Fotografia: Adam Jones_Unsplash
A qualidade global de um empreendimento, em termos de segurança, conforto/habitabilidade, economia e durabilidade, depende diretamente da qualidade dos procedimentos e processos implementados ao longo do seu desenvolvimento, sobretudo nas fases do projeto e da obra, e da respetiva fiscalização. Muitas vezes, justifica-se também a avaliação da qualidade dos materiais ou dos sistemas construtivos a definir em fase de projeto, e efetuar no final da obra, ou ainda antes, a sua monitorização, com o objetivo de acompanhar e/ou monitorizar a sua entrada em funcionamento e o seu comportamento em serviço, ao longo do tempo.
Neste enquadramento, a presente edição da CM procura tratar, de uma forma integrada, os vários contributos de cada uma destas etapas do processo construtivo, para maximizar a qualidade final de um empreendimento, tanto no âmbito da obra nova como da obra de reabilitação. Maioritariamente, a discussão é elucidada para o caso dos edifícios, mas a mesma, com as adaptações correspondentes, pode ser estendida a qualquer tipo de projeto/obra.
A abordagem do tema é feita através da visão e testemunhos de vários especialistas nas suas áreas de atuação profissional, começando pelo Prof. António Tadeu, Presidente da direção do ITeCons - Instituto de Investigação e Desenvolvimento Tecnológico para a Construção, Energia, Ambiente e Sustentabilidade, Coimbra, incluindo a supervisão técnica e científica de vários ensaios e consultoria na área da construção e a coordenação da unidade de I&DT deste Instituto, que analisa a importância dos ensaios para a garantia da qualidade das obras, começando por identificar os requisitos básicos das obras de construção, e depois analisando sucessivamente a marcação CE de produtos de construção, a declaração de desempenho, os produtos de construção inovadores e o novo Regulamento dos produtos de construção.
Em seguida, apresentam-se duas reflexões sobre os fatores determinantes para a qualidade do projeto da obra nova e da obra de reabilitação. O Eng. António Perry da Câmara, Sócio-Gerente da Perry da Câmara e Assoc. Consult. Eng., Lda. e atual Coordenador da Comissão de Especialização em Engenharia de Estruturas da Ordem dos Engenheiros, refere a importância, para o Projeto de estruturas novas, de aspetos como o planeamento e avaliação de requisitos, a recolha da informação de base, a seleção de materiais e métodos construtivos, o controle de qualidade durante a construção e a manutenção e monitorização pós-construção.
O Eng. João Appleton, Sócio-Gerente e Diretor Técnico de A2P Consult, Estudos e Projectos, Lda, e Especialista em Estruturas pela Ordem dos Engenheiros, reflete sobre a qualidade do projeto de reabilitação estrutural, enquanto “base da garantia de segurança do todo construído”, o qual, entre outros requisitos, deve ter em conta a composição material, a organização da estrutura existente, para a qual concorre o conhecimento da História daquela Construção em particular, o estudo das suas características concretas e o diagnóstico adequado do estado de conservação e segurança, incluindo as fundações, e privilegiando soluções pouco intrusivas e compatíveis com o existente.
Relativamente à qualidade em fase de execução da obra, são igualmente apresentados dois importantes testemunhos. Em relação à obra de construção nova, o Eng. António Carlos Rodrigues, CEO do Grupo Casais, destaca a forte aposta no desenvolvimento da construção modular que a empresa vem adotando, tendo como base uma solução híbrida de madeira e betão, com a qual a qualidade, a durabilidade, a segurança, o conforto e a economia da solução estão assegurados. Por outro lado, destaca a importância da digitalização do setor, nomeadamente o recurso à metodologia BIM (Building Information Modeling) e a criação de Digital Twins, que estão a revolucionar a forma como as obras são planeadas, executadas e geridas.
O Eng. Rui Furtado Marques, Administrador da HCI Construções, SA e Presidente em exercício da Mesa da Assembleia Regional Sul da Ordem dos Engenheiros, começa por referir as especificidades da obra de reabilitação, as quais até alguns anos atrás estavam na base da sua baixa atratividade por parte de algumas empresas. Esta realidade alterou-se a partir do início deste século, existindo há alguns anos a esta parte um forte investimento nesta área, incluindo investimento internacional, o que tornou o setor mais interessante para as empresas de construção. Após este enquadramento, refere as principais dificuldades inerentes à obra de reabilitação, das quais destaca questões de projeto, incluindo alterações, por vezes frequentes, em fase de obra, dificuldades de execução e relacionadas com a falta de experiência dos executantes, a baixa rentabilidade deste tipo de obras e questões de Património. Todos estes fatores comprometem os prazos e os custos, e por vezes a qualidade final dos empreendimentos. Como sugestões determinantes para contrariar o descrito, reforça a importância a dar à qualidade do projeto, à preparação da obra, à gestão das alterações em obra, e ao conhecimento técnico dos intervenientes no projeto e na obra de reabilitação, bem como o impacto da Arqueologia.
Não obstante a expectável qualidade máxima, sempre ao nível do projeto e da sua execução em obra, é imprescindível a presença da Fiscalização como garante de que o projeto é desenvolvido de acordo com o previsto, e em linha com as melhores práticas de organização e gestão de obra conhecidas. Neste contexto, o Prof. José Amorim Faria, Professor Auxiliar da FEUP e Administrador da SOPSEC SA, reflete sobre o contributo das empresas de fiscalização para a melhoria da qualidade da construção, destacando, durante a fase construtiva, as suas funções no controlo de: custos, prazos, qualidade, segurança e saúde dos participantes e gestão ambiental do processo. A Fiscalização deve ainda garantir uma adequada gestão e armazenamento da informação, para que a mesma seja facilmente acessível a qualquer momento.
Uma vez concluída a obra nova ou em intervenções de reabilitação e sobretudo nos casos de maior complexidade ou valor patrimonial, como é o caso das obras de arte, efetua-se por vezes o seu acompanhamento e monitorização, como ferramenta de gestão proativa (ou reativa) destas estruturas. Neste sentido, o Eng. Luís Santos, Vice-Presidente do Conselho Científico do LNEC, apresenta uma série de aspetos relacionados com realização de inspeções, ensaios in situ e metodologias/técnicas de monitorização, que permitem obter um conhecimento adequado do comportamento da estrutura em análise, e assim detetar e prevenir futuras anomalias.
Por fim, a abordagem do tema relativo aos fatores condicionantes da qualidade da construção, nas suas várias etapas e tipologias de projetos, é discutida na entrevista concedida pelo Prof. Vítor Abrantes, Professor Emérito da Universidade do Porto e Sócio fundador da empresa Vítor Abrantes – Consultoria e Projetos de Engenharia, Lda, na qual identifica as dificuldades em ter projetos de qualidade, devido a “estrangulamentos” causados pelos baixos preços praticados e como esta situação se reflete na (qualidade da) obra. Além disso, aborda também a questão da disponibilidade e qualidade habitacional.
Em síntese, procurou-se nesta edição da CM ter uma série de contributos, complementares, que dessem ao leitor um enquadramento suficientemente robusto sobre os principais fatores que influenciam a qualidade final de um empreendimento. E, a avaliar pelo elevado nível das contribuições compiladas, cremos que este objetivo foi totalmente alcançado.
Em colaboração com Fernando F. S. Pinho, co-editor da Construção Magazine nº119
Diretor da Construção Magazine / Professor na FEUP
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