Conversas entre Rita Moura e Francisco Nunes Correia

Numa edição dedicada à investigação orientada para o mercado, a Construção Magazine deixa aos leitores as ideias dos representantes de entidades com a responsabilidade de fazer essa ponte.
Rita Moura, à frente da Plataforma Tecnológica Portuguesa da Construção (PTPC) e Francisco Nunes Correia, presidente da Parceria Portuguesa para a Água (PPA) explicam de que forma o conhecimento produzido nas universidades pode (e deve) ser aproveitado pelas empresas e o que Portugal pode fazer para estar na linha da frente no que à inovação e competitividade diz respeito.

A investigação orienta-se pelo objetivo do aumento do conhecimento (investigação fundamental) e também pelo desenvolvimento do produto (investigação aplicada). Como se encontra o equilíbrio entre uma coisa e outra e qual destes objetivos é prioritário para Portugal?

Rita Moura (RM) – Encontram-se os dois por convergência de interesses. É exatamente aí que está o segredo de passar o conhecimento para a inovação industrial, para que ele tenha retorno económico e se transforme em negócio. Isso passa pela convergência entre os interesses das empresas e os interesses das universidades. Há, evidentemente, assuntos que são demasiado científicos e que saem do círculo de interesses das empresas e há assuntos mais tecnológicos que interessam às empresas. E depois, não há só as universidades e as empresas. Há também a sociedade, as entidades públicas, que têm algo a dizer. As ideias devem ser inovadoras, e aí temos as universidades a trabalhar. Existem imensas ideias dentro das universidades, mas depois há a questão da rentabilidade. Essas ideias têm de ser rentáveis, têm de se traduzir em lucro, e aí entram as empresas. Por outro lado, as ideias têm de responder a um propósito social e é da convergência desses três interesses que, quanto a mim, surgem as melhores ideias.

Francisco Nunes Correia (FNC) – Gostaria apenas de sublinhar que quem está numa universidade tem uma vivência direta de toda essa gama que constitui a produção científica, isto é, temos a perfeita noção de que a ciência mais pura alimenta uma ciência mais aplicada e já uma ciência junto aos protótipos, às empresas, às aplicações, que se chama competitiva e pré-competitiva, que é a componente da inovação. Há lugar para todas e quando, a nível de gestão global nacional, isto é, de gestão do sistema científico nacional, se tem uma visão que privilegia apenas uma e se ignora a outra, a médio prazo isso não é sustentável porque a ciência mais pura alimenta a capacidade de renovar, de mudar, de inovar. Por outro lado, os universitários deixados à solta, entregues a si próprios, pendem para uma ciência muito desligada do mundo real. Portanto, há sempre uma tensão entre as duas componentes, e há muitos mecanismos para as aproximar. A PTPC e a PPA são exemplos de entidades de tipo associativo onde empresas e universidades partilham interesses comuns e estabelecem agendas comuns, propósitos comuns. São pontos de encontro. E a partir daí abre-se a porta a muitas coisas, como teses de mestrado e doutoramento, que são tipicamente atividades universitárias mas que podem ser feitas em meio empresarial. Isto é muito importante, porque estes investigadores levam conhecimento para as empresas e tiram partido da experiência real. Há, portanto, vários mecanismos que procuram fazer superar esse divórcio entre ciência pura e ciência aplicada. Em Portugal, julgo que é preciso cuidar dos dois porque um sem o outro não é sustentável.

A investigação aplicada deve ser orientada para a realidade portuguesa, para os PALOPS – mercado com interesse atualmente – ou para o mercado global? Qual deve ser a prioridade e a estratégia? Há mecanismos para implementar essa estratégia?

RM – Devemos estar atentos a todos os mercados. Aqui, o grande apoio que as universidades podem dar às empresas é na criação de fatores competitivos que nos permitam almejar mercados de primeiro mundo, ou seja, mercados em que as exigências tecnológicas são maiores. Há aqui esse interesse muito importante, e nós sabemos que as empresas espanholas estão a trabalhar nos EUA, no Canadá e no leste da Europa. Essa força da inovação, da otimização de processos construtivos, com vantagens competitivas reais, e a criação de fatores de diferenciação que as universidades nos permitem atingir é muito importante e eu sou de opinião que as empresas devem ter vários tipos de mercados, ou seja, não estarem focadas só num tipo de mercado porque pode haver problemas (como há atualmente). Deve haver, portanto, outras formas de manter a sustentabilidade financeira. As universidades podem ajudar-nos imenso na inovação mais avançada, mais tecnológica, e também ajudar-nos nos mercados em que já estamos mais implementados, em mercados menos desenvolvidos, mas em que há especificidades relacionadas com a mobilização. Há questões muito próprias nestes mercados e complicadas e que, através das universidades, nós conseguimos desenvolver. Acho que temos de estar atentos a todas as vertentes, embora na primeira, as universidades tenham um papel mais importante, a meu ver.

FNC – Uns não podem existir sem os outros porque os mercados são globais. Hoje, não há mercados fechados sobre si próprios. Assim como o mercado português está aberto a empresas do mundo inteiro, as empresas portuguesas, cada vez mais, têm de procurar mercados fora. É claro que as empresas grandes, pela definição da sua própria dimensão, têm de estar nesses mercados internacionais. Empresas pequenas, muitas vezes, são detentoras de nichos de tecnologia, e sozinhas têm dificuldade em aspirar à internacionalização porque é preciso persistência, trabalho, investimento para se implantarem nos mercados internacionais. Na PPA, utilizamos a analogia do porta-aviões, ou seja, as empresas grandes, muito implantadas em mercados externos, têm vantagem, e são um contributo muito grande ao país se procurarem colaborações de pequenas empresas, que sozinhas têm dificuldade em se internacionalizar, mas que podem trazer esse know-how muito especializado. Nós fizemos, no princípio de 2014, e vamos renovar agora no princípio de 2015, um inquérito aos nossos associados, e hoje, entre esses associados, os mercados são internacionais, e muitos dos nossos associados são pequenas empresas, embora também haja grandes. No entanto, é muito difícil para uma empresa fazer uma aposta só num mercado internacional. É importante que haja uma base em Portugal. Se não existe essa base, se não pode formar quadros em Portugal, a empresa fica muito estratosférica, muito fragilizada. Espera-se que este próximo quadro de fundos comunitários traga apoios à internacionalização das empresas, tal como está anunciado, mas quem giza políticas públicas não pode esquecer que tem de haver uma base nacional importante para as empresas se consolidarem e constituírem e não serem atiradas para uma internacionalização sem suporte, pois isso não é sustentável.

RM – Até porque entendo que em Portugal, independentemente de a construção nova já estar em decréscimo, há atividades que têm a ver com a gestão de ativos, como a reabilitação, com a questão energética, com a questão da água, e muitos temas a desenvolver no que toca às infraestruturas, a nível nacional, que não podemos descurar, sob pena de estarmos a por em risco a própria industrialização do país e a manutenção do nível de vida dos cidadãos, além de haver, também, compromissos com a Europa. Eu estou convencida que a situação terá tendência a inverter um pouco porque o decréscimo de atividade foi brutal.

Qual o futuro da investigação face aos sucessivos cortes financeiros por parte da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) e até que ponto a investigação portuguesa pode ficar refém desta FCT cada vez mais criticada, nomeadamente pela recente avaliação aos centros de investigação?

FNC – É claro que tem havido redução do volume de financiamento mas as críticas, que eu diria, quase unanimemente, são feitas à FCT, não incidem tanto sobre a redução do financiamento, mas a uma enorme tergiversação, ziguezaguear e muito difícil compreensão dos critérios utilizados, dos caminhos seguidos, dos propósitos que se pretende alcançar e da visão estratégica para todo o setor. Essas críticas são unânimes, começando pelo Conselho de Reitores e passando pela diversidade do conjunto imenso de universidades. Eu, como professor universitário, mais do que como presidente da PPA, atrever-me-ia a dizer que precisamos realmente de uma política para o sistema científico nacional porque as universidades estão carentes dessa política e não têm dado por ela. Tem sido uma confusão tremenda, e repito, é mais premente o ziguezaguear, a ausência de racionalidade, do que a questão dos cortes. Agora, estamos a começar, em toda a Europa, um novo ciclo de financiamento, e este ciclo de financiamento, que se traduz num programa chamado Horizonte 2020, é extraordinariamente interessante, ambicioso e, naquilo que diz respeito à componente coma qual estou mais familiarizado, que é a água, traz elementos muito interessantes, que esperamos que se mantenham com a mudança da Comissão. Como todos sabemos, houve uma mudança completa da Comissão, e o comissário anterior que respondia pelo tema da água saiu e o novo comissário ainda não explicou ao que vinha, ainda não é evidente quais as linhas pelas quais se vai coser. Não obstante, há um português, Carlos Moedas, que é o comissário que tutela este setor. Ora bem, entre muitas outras coisas, desde logo um aumento muito grande dos fundos comunitários à disposição do setor científico, há uma preocupação acrescida com a componente inovação e tudo o que isso significa, e isso significa por a trabalhar em conjunto universidades e empresas. Isso é extremamente importante e é uma das prioridades, não única porque justamente há uma visão equilibrada e a ciência pura continua a ter o seu espaço mas a necessidade de alargar à inovação e envolver empresas foi um dos motivos invocados para quase duplicar os fundos à disposição deste setor. Devo dizer que foi com muito gosto que a PPA deu uma colaboração na fase de discussão entre o Conselho, a Comissão e o Parlamento Europeu. A PPA procura estar muito atenta à evolução dessas linhas de rumo á escala europeia e dar o seu contributo baseado na experiência e na qualidade científica e técnica que este setor adquiriu em Portugal.

RM – No que se refere à PTPC, nós somos a plataforma nacional que faz a ligação com a ECTP (European Construction Technology Platform) e temos já a rede estabelecida na Europa, também para assuntos da candidatura ao Horizonte 2020, e também temos dado muito feedback às comissões que elaboram as calls que vão sair para o Horizonte 2020. Temo-nos batido por aquilo que são as preocupações a nível nacional. É muito importante o trabalho a montante dos programas, porque depois os programas refletem o interesse de quem esteve envolvido. E esses interesses que vemos nas candidaturas do passado são os do norte da Europa porque são as pessoas mais ativas, que se envolvem nestes estudos. Nós temos esse défice e agora estamos a melhorar bastante, e com estas redes, como a PPA e a PTPC, estamos a fazer este lobby, esta ligação.

FNC – As empresas nem sempre são completamente sensíveis a isso, pois estão muito habituadas a responder quando surgem as calls e os concursos. A nossa pedagogia tem sido a de que Portugal tem de ir a montante, tem de ir às mais altas esferas tentar influenciar para que a temática que é importante para Portugal esteja, tanto quanto possível, contemplada, para sabermos antecipadamente o que vai acontecer e para todos se poderem preparar. Portugal tem de saber crescer para as oportunidades, e tem de saber estar no sítio certo.

RM – Exato, porque estando as coisas acontecem. Agora, a FCT também me indicou para colaborar num grupo de acompanhamento que, no fundo, dá aquilo que são as ideias interessantes para a indústria, a nível das nanotecnologias, por exemplo. É importante que todas as entidades estejam atentas e que marquemos uma posição. Por exemplo, um tema que me é muito particular é a eficiência energética. Para além de ter a presidência da PTPC, tenho a coordenação do grupo de trabalho de reabilitação de edifícios e a eficiência energética é um tema que foi muito “apanhado” pelos países do norte da Europa, que defenderam as suas posições. O clima deles não tem nada a ver com o nosso! Portanto, aquilo que está definido não defende os interesses de Portugal. Não nos interessa nada ter caldeiras super potentes, interessa-nos ter revestimentos bons, passivos, e um pequeno aquecimento. Se virmos as classificações de eficiência energética, não fazem sentido para Portugal. Há temas que nos interessariam imenso e não têm vindo refletidos. Eu espero que para as próximas calls venham porque temos feito muita força nesse sentido. É o caso da questão sísmica e outras, como a erosão costeira ou a água, que eu acho que não é um tema só para Portugal, é um tema mundial e é um tema que, a par da energia, é muito importante. A água vai ser um problema a curto prazo...

FNC – A água produz energia e, por outro lado, os sistemas de abastecimento e tratamento são  altamente consumidores, mas também podem produzir energia renovável. Em Portugal, nos últimos 20, 25 anos fizeram-se progressos extraordinários e adquiriu-se um know-how muito grande. O director executivo da Associação Internacional da Água falou, perante 10 mil pessoas, no “portuguese miracle”. Há delegações que vêm dos países de leste, recentemente entrados na União Europeia, ver como se fez em Portugal.

RM – Focou aqui um aspeto que me parece muito importante, que é o facto de termos obra para mostrar. Acho isso mais importante do que irmos participar em feiras noutros países. É mais interessante mostrarmos eficiência dentro do nosso país e convidarmos estrangeiros para virem cá.

O modelo de organização dos investigadores por centros faz sentido? Seria preferível financiar os departamentos, ou até os investigadores de forma individual?

FNC – Os investigadores são financiados a título individual em fases importantes das suas carreiras, como as bolsas para os doutoramentos. O doutoramento é uma fase importante e particularmente produtiva. Depois, são financiados de uma forma que não é individual, mas que se aproxima disso, quando candidatam projetos e esses projetos são financiados. Aí não é um investigador mas um pequeno grupo de investigadores que se candidata a projetos. Para além disso, faz sentido que os centros disponham de um financiamento de base que lhes permita existir enquanto centros, partilhando atividades, partilhando instalações, partilhando um conjunto de equipamentos, muitas vezes alimentando laboratórios que são importantes e que é difícil alimentar só com base naquilo que dissemos antes, em candidaturas. Quando candidatamos um projeto é para produzir determinados resultados mas precisamos de recorrer a infraestruturas que têm de se manter no tempo e não podem estar sujeitas ao “stop and go” dos projetos. Portanto, essas formas têm de ser conjugadas e estão presentes, e penso que todas elas se justificam.

Qual o papel que as empresas têm (ou deveriam ter) na investigação aplicada em Engenharia Civil?

RM – Eu acho que todo. Concordo que deva haver uma investigação mais fundamental mas uma coisa é a ciência e outra é a tecnologia, que é a aplicação prática da ciência. As empresas é que vão utilizar a investigação aplicada, portanto eu acho que o melhor modelo de funcionamento entre universidades e empresas neste domínio da investigação aplicada é precisamente haver uma identificação, por parte das empresas, das necessidades de desenvolvimento. As empresas conhecem também as necessidades dos donos de obra, e portanto têm um conhecimento global daquilo que interessa desenvolver. Estrategicamente, conhecem os mercados com os quais vão trabalhar e as respetivas necessidades e também conhecem as deficiências nos processos construtivos. Deveriam transmitir às universidades, de uma forma muito concreta, quais os temas a desenvolver. É isso que tem acontecido na PTPC. Nós estamos a centralizar temas de teses de mestrado e doutoramento que são de interesse para a indústria. Temos vários grupos de trabalho na PTPC (BIM, reabilitação de edifícios, pavimentos rodoviários, sistemas de informação da construção, barragens, obras marítimas e portuárias e infraestruturas de água, este último em conjunto com a PPA. Estes grupos têm a função de identificar temas para transmitir às universidades. Temos alunos a fazer teses dentro da PTPC e mesmo doutorandos que vamos querer que tomem conta de assuntos de fundo. Por exemplo, no grupo de reabilitação, que coordeno, vamos ter uma “feira de ideias”. Vão lá vários professores universitários que têm ideias nesta área, e por outro lado vão interessados das empresas, para um encontro de interesses. A transmissão dessa informação às universidades é da maior importância e o envolvimento das empresas nessas investigações é da maior importância.

FNC – : Gostaria apenas de sublinhar a palavra competitividade. Os mercados hoje, incluindo os internacionais, mesmo em países que nós consideramos não tão desenvolvidos, são mercados muito exigentes, e muitas vezes o financiamento desses mercados resulta de instituições financeiras internacionais também muito exigentes, portanto não há mercados fáceis. As empresas têm de ser, por isso, muito competitivas. É aí que eu acho que as empresas e o mundo científico e tecnológico se cruzam muito bem, para melhorar a competitividade das empresas: a inovação ao serviço da competitividade.

Qual o papel de plataformas como a PPA e a PTPC na captação de financiamento europeu? Por que razão a situação portuguesa é tão diferente da de Espanha, um país que tem recebido mais financiamento? É por não corrermos atrás das oportunidades?

RM – É. Basta ver que o atual presidente da plataforma tecnológica espanhola da construção foi presidente da plataforma tecnológica europeia da construção. Os espanhóis têm mais essa tradição de ir atrás das coisas. Eu participo, pela Teixeira Duarte, na associação que reúne as maiores construtoras da Europa, na qual também estão presentes muitas empresas espanholas. O que acontece é que esse responsável está na definição dos grandes projetos, e quando eu digo grandes projetos, refiro-me, por exemplo, ao projeto reFINE, de 7 mil milhões de euros. Este projeto não é só de construção, tem a ver com a mobilidade na Europa, com o setor dos transportes, grandes corredores rodoviários, ferroviários, portos, aeroportos, ligações, transportes de passageiros e de mercadorias. É um projeto que tem em vista inovação de infraestruturas, tendo em conta uma visão de ciclo de vida, de sustentabilidade. Este responsável está envolvido na definição desse projeto e é a partir daí que surgem as calls. As calls estão feitas a pensar num determinado desenvolvimento que é puxado por determinadas entidades que se agregaram à volta daquele tema. Nós temos também que fazer isso e não custa muito.

FNC – Eu acrescentava uma dimensão que em Portugal nem sempre é feita como deve ser, que é a articulação entre poderes públicos e entidades privadas. Em Espanha notamos que isso acontece, jogam todos para o mesmo lado, e muitas vezes os poderes públicos vão à frente, abrem caminhos.

RM – Eu não resisto a levantar o véu do que espero venha a ser o nosso projeto do cluster Arquitetura, Engenharia e Construção, um projeto que estamos a montar, e que a PPA em princípio também integrará, pelo menos gostaríamos muito que assim fosse. Uma das funções deste cluster é exatamente essa, é fazer o lobby, juntamente com o governo, para projetar, de forma global, concertada e integrada, a arquitetura, engenharia e construção portuguesas nos vários mercados. Estamos a falar de inovação e competitividade. É muito importante haver uma entidade que agrega outras e entre si se entendem. Eu penso que nós próprios não falamos, por vezes, uns com os outros, estamos desintegrados. A PTPC e a PPA estão em contacto direto mas convém criar uma estrutura em que estejamos todos a participar equilibradamente e no âmbito da qual possamos falar com quem de direito.

Por que razão o número de doutorados a trabalhar no tecido empresarial é tão baixo? O que é necessário fazer para aumentar o nível de empregabilidade destes técnicos? Apostar nos departamentos de I&D das empresas?

RM – Esse é um tema premente dentro da PTPC. Nós tivemos uma sessão de debate sobre o relacionamento entre universidades e empresas, que deu origem a uma série de linhas de ação, e a motivação foi exatamente essa. Parece-me que há uma falha de comunicação e acho que há aqui questões das duas partes: por um lado, da parte das universidades: eventualmente, os currículos têm de ser adaptados porque por vezes a formação é demasiado académica. A ideia que passa é que os doutorados são demasiado académicos e teóricos e não têm os pés assentes na terra, por isso não são vistos como uma mais-valia. Do meu ponto de vista as coisas não são assim. Eu valorizo imenso a inovação e um doutorado tem uma bagagem para desenvolvimentos na área da inovação que um projetista, por exemplo, não terá. Acho que é muito importante contrariar isso para começarmos a ter doutorados nas empresas.

FNC – Eu julgo que os doutoramentos em meio empresarial podem dar um contributo para isso porque o trabalho nas empresas ajuda essas pessoas a por os pés na terra. Por outro lado, talvez as empresas passem a olhar para eles com outros olhos...

Por que razão há poucos programas doutorais a envolver empresas...

RM – Não há poucos programas, há é pouca aceitação desses programas. Eu diria que os programas ficam com as candidaturas por preencher.

FNC – Poderia tirar-se mais partido disso...

Por que não há esse aproveitamento?

FNC – O aproveitamento está num crescendo. O doutoramento em meio empresarial é hoje um dos perfis de doutoramento possíveis. Eu julgo que pode haver alguns fatores a contribuir para isso, nomeadamente alguns candidatos ou alguns professores orientadores a recearem que um doutoramento no mundo empresarial se arraste por mais tempo, e os esquemas hoje são muito acelerados. No entanto, penso que esse caminho está a ser feito, e hoje há mais doutoramentos desse tipo do que havia há uns anos. Depende muito das empresas, e eu acho que sobretudo as grandes, com responsabilidade, têm de criar espaço para a realização desses doutoramentos. Têm de ver isso como um investimento porque as pessoas que estão a fazer um doutoramento não são imediatamente produtivas. Há um compasso de espera de dois anos em que as pessoas estão a trabalhar num tema mas esta situação é muito útil para as empresas, numa lógica de médio prazo. As pressões do mercado, e do lado universitário, a vontade de fazer estes programas muito depressa, podem ser um pouco dissuasoras. Mas eu acho que, cada vez mais, quer do lado das universidades quer do lado das empresas, as pessoas compreendem que, a médio prazo, há grandes vantagens nisto.

RM – Queria também dizer o seguinte: nos currículos universitários há disciplinas, e não só nos doutoramentos, mas também na área do Projeto, que às vezes complicam demasiado os temas. Quem estuda muito a fundo um tema tem tendência a complicar esse tema porque o estuda até à exaustão. Mas nós depois, no mundo prático, não precisamos de muitos desses conceitos. Eu acho que também devia ser feita, em algumas disciplinas, uma avaliação, com o contributo dos alunos, ou até ter alguém das empresas que acompanhe e que faça Projeto e tenha, portanto, uma visão mais prática do que é a utilização de determinados Eurocódigos, por exemplo. A partir daí, pode avaliar se de facto é necessário ir tão longe e complicar tanto ou se podemos adotar um ponto de vista mais concreto e tornar mais prático o conhecimento. Não sou apologista de tornar o conhecimento absolutamente prático mas se calhar há algumas disciplinas que estão demasiado complicadas e esse pode ser um dos motivos que afastam os alunos dos cursos de Engenharia. Os outputs da atividade de investigação são avaliados sobretudo através de artigos científicos e do número de artigos publicados nas revistas científicas. Isto pode provocar um enviesamento das prioridades e objetivos da investigação?

FNC – Eu tenho opiniões muito firmes sobre isso. Acho que a universidade está a ir por um caminho negativo desse ponto de vista, que justamente a afasta do real e a afasta das empresas. Isso leva-nos à questão de não haver mais apetência por doutoramentos nas empresas. A grande pressão para publicar em determinado tipo de revista faz com que isso se torne um emprego em si próprio, um objetivo em si próprio, perdendo-se muito a dimensão social da profissão e da atividade. Portanto, o objetivo é publicar x artigos por ano. Muitas vezes, quer os professores quer os alunos, preferem fazer isso fechados num gabinete da universidade em vez de se irem confrontar com o mundo real porque acham que isso lhes vai levar o dobro do tempo. Sem prejuízo para a importância que tem uma produção científica especializada, o excesso de peso que está a ser dado a essas componentes e a pouca importância que muitas vezes é dada justamente às aplicações, à inovação, à ligação à indústria, acaba por ter um efeito pernicioso. A Engenharia Civil, apesar de tudo, é, dentro do conjunto das Engenharias, a que menos extremista ou fundamentalista se tornou nessa lógica estritamente universitária. Mas é a escola como um todo, os órgãos científicos, que empurram extraordinariamente nesse sentido, e com isso desvirtuam a ligação da universidade à empresa.

RM – Eu quero aqui acrescentar algo, como cliente. Estamos, na PTPC, a tentar passar este conceito de estar a produzir artigos científicos para papel, ou seja, a “idea to paper”, para a “idea to business”. A “idea to paper” não dá em nada e o retorno que tem para a sociedade é muito pouco. Noto, dentro da PTPC, que naturalmente as pessoas que trabalham mais connosco, das universidades, são os “idea to business”, que são penalizados, de certa forma, comparando com colegas que não fazem o mesmo. Eu não acho isto justo e aqui estou a defender os universitários que trabalham connosco na PTPC, que são “idea to business” e estão a ser prejudicados em relação aos que fazem “idea to paper” e estão aqui fechados nas quatro paredes. Eu não tenho qualquer influência nesse âmbito, mas gostaria que o Prof. Nunes Correia dissesse como é que isto pode ser contrariado porque é um assunto que, como presidente da PTPC, me preocupa.

FNC – É um problema de cultura universitária. Como eu disse, Civil é a área que resiste mais a essa deriva que empurra extraordinariamente para esse lado mas, apesar de tudo, a cultura global é essa e é perniciosa. É preciso encontrar um equilíbrio porque nós também não podemos fazer do professor universitário um mero profissional. Há uma dimensão universitária que é inquestionável, e encontrar o equilíbrio é o mais complexo. Reconheço que há, de facto, um grande desvirtuamento. Como é que isso pode ser alterado? Não é muito fácil. Penso que as empresas, em todas as formas que têm de interação com a universidade, fazem bem e ajudam chamando a atenção para esses aspetos. Os Conselhos de Escola, hoje, têm uma representação grande de pessoas do mundo real, em vários órgãos consultivos, em vários fora técnicos e científicos. É muito importante chamar a atenção para isso, para alterar um pouco a cultura da universidade.

RM – Acho que estas participações destes professores nestes grupos de trabalho, nestes projetos, deviam contar para avaliação, de uma forma equilibrada.

Perfis

Rita Moura é licenciada em Engenharia Civil pelo Instituto Superior Técnico e é quadro da Teixeira Duarte desde 1986. Preside atualmente à Plataforma Tecnológica Portuguesa da Construção, que tem como missão a promoção da reflexão sobre o setor e implementação de iniciativas e projetos de investigação, desenvolvimento e inovação.

Francisco Nunes Correia preside à Parceria Portuguesa para a Água desde 2009 e é professor no Instituto Superior Técnico. Foi Ministro do Ambiente entre 2005 e 2009, sendo que, neste período, a Diretiva-Quadro da Água foi transposta para o direito português.

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