A Acústica como componente na Reabilitação de Edifícios
A necessidade de reabilitação do parque edificado, para além das preocupações setoriais envolvidas, foi considerada recentemente pelo Governo da República como um desígnio nacional. De facto, a reabilitação compreende toda a série de ações que se empreendem tendo em vista a recuperação e a beneficiação de um certo sistema funcional (no caso, edifício), conceptualizado à data para satisfação de determinados requisitos, que, por via da sua degradação ao longo do tempo, ou por definição de novos padrões de qualidade (e até de usos), necessita de voltar a ser “habilitado para essas funções.
Sendo a qualidade acústica das edificações um dos aspetos a ter, cada vez mais, em conta por parte dos usufrutuários das frações habitacionais, torna-se fundamental que a Acústica de Edifícios esteja presente e seja parte integrante do corpo processual associado aos processos de reabilitação dos edifíciosNeste sentido, importa fazer uma reflexão que, embora simplificada, pode conduzir a um melhor esclarecimento no que se refere aos atos consequentes.
Do ponto de vista regulamentar, está estatuído pelo Regime Excecional de Reabilitação Urbana (RERU) – Decreto-Lei n.º 53/2014 de 8 de abril, o seguinte:
Artigo 2º
Âmbito de aplicação
1 — O presente decreto-lei aplica-se à reabilitação de edifícios ou de frações, concluídos há pelo menos 30 anos ou localizados em áreas de reabilitação urbana, sempre que se destinem a ser afetos total ou predominantemente ao uso habitacional e desde que a operação urbanística não origine desconformidades, nem agrave as existentes, ou contribua para a melhoria das condições de segurança e salubridade do edifício ou fração.
Artigo 5º
Dispensa de aplicação de requisitos acústicos
As operações urbanísticas ....................estão dispensadas do cumprimento de requisitos acústicos, previstos no Regulamento dos Requisitos Acústicos dos Edifícios, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 129/2002, de 11 de maio, alterado pelo Decreto-Lei n.º 96/2008, de 9 de junho, com exceção das que tenham por objeto partes de edifício ou frações autónomas destinados a usos não habitacionais.
Apesar do estabelecido nos artigos 2.º e 5.º referidos, considera-se que o efetivo cumprimento deste n.º 1 do artigo 2º do RERU só pode ser eficazmente concretizado com base no conhecimento real da situação existente ou na assunção de responsabilidade sobre esse mesmo conhecimento, o que só é possível com a caracterização acústica por via experimental da situação existente, ou recorrendo a programas de cálculo que permitam fundamentar o ato declarativo associado (declaração de responsabilidade passada por técnico credenciado), e com a respetiva verificação final (neste caso, só experimental).
Também o exposto no artigo 5º não se refere à necessidade (ou não necessidade) de projeto acústico, mas tão só à não obrigação de verificação das exigências de conforto acústico preconizadas no Decreto-Lei n.º 96/2008, que altera e republica o Decreto-Lei n.º 129, de 2002, dirigidas a edifícios novos.
Na realidade, as normas legais e regulamentares sobre conforto acústico (RGR e RRAE) definem exigências mínimas para assegurar que os edifícios proporcionem condições suficientes de conforto acústico para todas as pessoas que neles vivem ou trabalham. Neste sentido, o objetivo do RERU é apenas dispensar as intervenções em edifícios residenciais existentes de cumprir exigências que acarretam trabalhos com custos considerados desproporcionados na atual conjuntura. Na circunstância, deve continuar a ser objetivo fundamental o assegurar condições acústicas adequadas. O conhecimento do nível de desempenho das edificações objeto de intervenção, mesmo que abaixo do mínimo regulamentar exigível para construção nova, deve ser informação relevante para futuros utilizadores, arrendatários ou compradores.
Os aspetos a ter em conta do ponto de vista da Acústica integrada na reabilitação dos edifícios centram-se:
- no isolamento a sons aéreos entre o exterior e o interior dos edifícios, assim como entre as suas várias frações habitacionais (e entre estas e eventuais frações de comércio e serviços);
- no isolamento a sons de percussão nas várias frações habitacionais; e,
- no condicionamento de equipamentos e instalações de caráter coletivo.
Neste contexto e numa linha muito genérica, no que respeita aos problemas que se podem encontrar em termos de necessidades de correção acústica em atos de reabilitação, pode-se elencar o seguinte:
Em relação aos edifícios antigos
Problemas de condicionamento acústico associados fundamentalmente ao deficiente isolamento a sons aéreos e de percussão assegurado pelos respetivos elementos de compartimentação horizontal (pavimentos) – tanto entre fogos como entre fogos e eventuais espaços comerciais existentes –, ao isolamento a sons aéreos das paredes delimitadoras de fogos adjacentes e, por último, ao isolamento a sons aéreos conferido pelas fachadas;
Em relação aos edifícios mais recentes
i.e. com estrutura resistente em betão armado): problemas situados especificamente no isolamento a sons de percussão providenciado pelos elementos de compartimentação horizontal, no isolamento a sons aéreos assegurado pelas fachadas, no isolamento de paredes entre fogos adjacentes, e no isolamento a sons aéreos e de percussão entre fogos e espaços comerciais que possam estar integrados no edifício;
Em relação ao ruído de equipamentos e instalações (de caráter coletivo)
O problema não é normalmente tão crítico como nas construções novas, até porque grande parte do mercado habitacional a reabilitar não tem este tipo de sistemas (por exemplo, sistemas hidropressores e elevadores). No entanto, caso os tenham ou se pretenda instalá-los aquando do processo de reabilitação, é óbvio que este será também um dos aspetos a ter em conta numa linha de verificação das exigências funcionais relativas ao conforto acústico, assim como em tudo o que se refira ao ruído proveniente das instalações de escoamento de águas.
A fim de possibilitar uma abordagem mais dirigida a problemas típicos de isolamento ou condicionamento acústico, indicam-se no Quadro I algumas linhas estratégicas a empreender em possíveis soluções corretivas setoriais. No entanto, deve ter-se presente que cada caso é um caso específico, para o qual terá que haver uma análise também específica.
Quadro I - Exemplos de estratégias de intervenção
Problema
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Estratégias
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Isolamento sonoro de fachada
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Substituição ou melhoramento da janela existente (p. ex. alteração para janela de vidro duplo), com tratamento de zonas de elevada permeabilidade ao ar (caixas de estore, etc.).
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Isolamento a sons aéreos entre frações, na horizontal
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Duplicação de parede com recurso a sistema aligeirado, apoiado em prumos metálicos, e como minimização de pontos rígidos.
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Isolamento a sons aéreos entre frações, na vertical
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Aplicação de teto falso com material absorvente sonoro no tardoz(2), apoiado em suspensores elásticos.
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Isolamento a sons de percussão entre frações
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Aplicação de solução de revestimento de piso resiliente ou sistema de pavimento flutuante (1)
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Isolamento a sons aéreos entre espaços comuns e frações
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Substituição da porta de entrada na fração por outra mais isolante, com conveniente selagem de frinchas.
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Isolamento a sons de percussão entre espaços comuns e frações
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Aplicação de sistema de piso flutuante ou adoção de solução de revestimento de piso resiliente(1).
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Isolamento a sons aéreos entre espaços comerciais ou de serviços e frações
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Aplicação de teto falso, se possível duplicado, com material absorvente no tardoz(2) e suspenso elasticamente.
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Isolamento a sons de percussão entre espaços comerciais ou de serviços e frações
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Aplicação de solução em revestimento de madeira, ou rígido sobreposto a sistema flutuante, dessolidarizado do contorno.
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Isolamento a sons aéreos entre espaços de garagem e frações
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Duplicação do sistema de compartimentação com a colocação de teto falso
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Ruído de equipamentos
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Colocação de grelhas atenuadoras sonoras nos terminais das condutas e colocação de apoios elásticos nos pontos de fixação
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Notas:
1) A eficácia de catálogo do revestimento, determinada em laboratório com pavimento homogéneo, pode não corresponder à eficácia aplicada em sistemas aligeirados.
2) Os elementos de absorção sonora, tipo aglomerados de cortiça, quando colocados à vista, não contribuem para o aumento do isolamento sonoro, mas tão só para reduzir a reverberação do espaço onde se utilizam, daí a necessidade de serem colocados no tardoz.
No âmbito destas ações de reabilitação, é importante referir a importância que se deve dar ao detalhe (p. ex. selagens, regularidades, fixações, etc.) dado que uma boa solução construtiva pode, se deficientemente aplicada, comprometer o isolamento sonoro desejado.
Por último, importa destacar que todo o exposto terá de assentar numa resposta consistente e coerente aos desafios colocados, tendo por base a idoneidade dos vários agentes envolvidos (construtores, projetistas, aplicadores) e o apoio que as unidades de investigação científica e desenvolvimento tecnológico poderão proporcionar.
Referências
(1) Decreto-Lei n.º 09/2007, “Regulamento Geral do Ruído”. (RGR), 17 de janeiro, Portugal, 2007.
(2) Decreto-Lei n.º 96/2008 “Regulamento dos Requisitos Acústicos dos Edifícios”. (RRAE) 9 de junho, Portugal, 2008.
(3) Decreto-Lei n.º 103/2013. (legislação associada ao Regulamento dos Produtos da Construção), 10 de setembro, Portugal, 2013.
(4) Decreto-Lei n.º 54/2014. (legislação associada ao Regime Excecional para a Reabilitação Urbana (RERU), 8 de abril, Portugal, 2014.
(5) PATRÍCIO, J. - Ambiente e Edificação: Legislação Acústica Anotada. Lisboa: Sítio do Livro, 2011.
(6) PATRICIO, J. –. Acústica nos Edifícios. Porto. Publindústria (Engebook), 2018.
Investigador Principal com Agregação
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