Júlio Appleton é o entrevistado da Construção Magazine 125

Com mais de cinco décadas de exercício da atividade, Júlio Appleton regista a evolução que a Engenharia portuguesa, particularmente a de Estruturas, teve no plano internacional, e que se refletiu na atividade do Grupo Português de Betão Estrutural (GPBE), de que também foi presidente. O professor e projetista partilha também algumas das suas inquietações quanto ao futuro da profissão.
Entrevista conduzida por Eduardo Júlio e Mário Pimentel, na qualidade de presidente do GPBE e presidente da Comissão Organizadora do Encontro Nacional de Betão Estrutural 2024, respetivamente.
(...)
O que é podemos mudar para melhorar a ligação das atividades de projeto e investigação, e que papel o GPBE pode desempenhar neste contexto?
O GPBE tem de chegar a mais pessoas, porque o nível de Engenharia, fora de Lisboa e do Porto, ainda tem muito para crescer. Tem de chegar também com um sentido prático, porque senão afasta as pessoas. Não é uma tarefa fácil. No curso de Engenharia Civil vão faltar pessoas. Nesta altura, temos 46 pessoas no gabinete, e temos profissionais brasileiros que estão a dar excelente conta do recado, e penso que poderemos vir a ter mais. Nós, em Portugal, temos uma falta de planeamento, pior do que aquilo que se vivia nos anos antes do 25 de Abril, quando havia os planos de fomento. Essa falta de planeamento leva a que não haja continuidade na realização de obras. Isso conduziu à crise, que levou muitas empresas a fechar e outras a ir para fora.
Tem alguma perspetiva sobre o papel que a inteligência artificial e a automação vão ter na Engenharia Civil (...)?
Sem a prefabricação não se tinha feito a Ponte Vasco da Gama. E, agora, grande parte das obras nas linhas de alta velocidade vão ser feitas com prefabricação. O troço de Évora para a fronteira não teve praticamente prefabricação, porque alguém impôs que não podia ter. Nós procurámos apresentar variantes com prefabricação e não foram aceites. Acho que há um erro de conceção do que é a segurança sísmica de estruturas prefabricadas. Uma coisa não tem nada a ver com a outra, mas há umas confusões de espírito que levaram a que não tenha sido utilizada. Mas, na linha de alta velocidade, não há alternativa. Ainda há pessoas que têm essa ideia errada de que a prefabricação reduz a qualidade ou que, sob o ponto de vista sísmico, não pode oferecer a mesma qualidade. É apenas um processo construtivo. Se for bem feito, vai ter o mesmo resultado, eventualmente com uma qualidade acrescida. Evidentemente que há obras que não têm possibilidade de ser feitas com prefabricação, ou que não são economicamente viáveis para serem feitas com prefabricação, mas muitas são e, cada vez mais, vão ser. Cada vez mais a automação e a prefabricação vão dominar a nossa profissão. Nesta altura, já há muitas empresas a comprar armaduras dobradas e preparadas, já para não falar da robotização e da construção de casas em impressão 3D. Acho que há que desmistificar a prefabricação, porque alguns setores ainda acham que se pode traduzir numa redução de qualidade, mas isso é falso. As coisas têm cada vez mais de ser feitas de uma forma industrial, pela falta de mão de obra e pela necessidade de pagar melhor às pessoas. Daqui a 10 anos, de certeza que vamos ver alterações significativas. Quanto à inteligência artificial, eu tenho usado o ChatGPT para fazer perguntas e diálogos e acho que a inteligência artificial vai ter um desenvolvimento na próxima meia dúzia de anos na Engenharia Civil. Há falta de plataformas na nossa área, mas agora há desejo de as criar. Houve várias empresas que concorreram, sem sucesso, com propostas de plataformas para desenvolver inteligência artificial na nossa área e algumas vão continuar a fazê-lo mesmo sem terem ganho esses projetos. De vez em quando, fazemos no gabinete umas conferências internas, e explico que estamos a digitalizar a biblioteca, porque a maior parte dos novos engenheiros não quer saber do papel. Temos de digitalizar toda a informação para que tenham acesso de outra forma. O nosso gabinete tem um património, como outros gabinetes, enorme, de casos de estudo. Mas alguns dos processos mais antigos não estão digitalizados. A inteligência artificial vai permitir este tratamento da informação. Eu estou com esta preocupação porque os anos foram passando e quero passar todo o meu património físico a digital. Estamos a digitalizar os livros que tenho colecionado e os sumários de todos os artigos apresentados em congressos, de tal maneira que, se uma pessoa procurar por uma obra ou um problema, sabe que foi abordada no congresso e pode consultar essa informação. A inteligência artificial vai permitir gerir esse património de uma outra forma. O ChatGPT é um pouco “aldrabão”, mas vai ser uma realidade se lhe fornecermos uma boa base de dados. Acho que aí há um papel importante das empresas e das universidades de disponibilizarem a sua informação para enriquecer ou criar essas plataformas (...)
Leia a entrevista, na íntegra, na Construção Magazine nº 125, janeiro/ fevereiro 2025
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