Engenharia com valor: a urgência de mudar as regras do jogo

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O setor da construção em Portugal enfrenta atualmente uma grande pressão, refletindo uma confluência de fatores: os efeitos da pandemia, a instabilidade provocada pela guerra na Europa e o aumento generalizado dos custos devido à inflação.
A escassez de mão de obra qualificada e a crescente complexidade dos requisitos associados à sustentabilidade e à inovação agravam este cenário. Num mercado global cada vez mais exigente e competitivo e a necessidade urgente de modernizar das infraestruturas nacionais, Portugal encontra-se numa posição estratégica para capitalizar oportunidades. Contudo, para que tal aconteça de forma eficaz e duradoura, é indispensável rever em profundidade o atual regime jurídico da contratação pública.
A legislação vigente, consagrada no Código dos Contratos Públicos (CCP), tem promovido, desde 2008, uma lógica assente quase exclusivamente no critério do “preço mais baixo”. Esta abordagem redutora tem penalizado gravemente os serviços de engenharia, desvalorizando o seu contributo decisivo para o sucesso, a durabilidade e a eficiência dos projetos. A imposição de um modelo burocrático, aliado à escassez de tempo e recursos, tem conduzido à repetição de ciclos de projeto mal preparados — com consequências graves: obras que exigem reabilitação precoce, custos imprevistos e desperdício de recursos públicos. Torna-se, por isso, essencial adotar um novo paradigma de contratação pública, que reconheça e valorize a competência técnica, a experiência acumulada e a capacidade de inovação das equipas de engenharia, ajustando os critérios de adjudicação à escala e complexidade de cada projeto.
O atual contexto é favorável à mudança. Com o apoio dos fundos europeus, Portugal está a lançar e a planear um conjunto robusto de investimentos em áreas estruturantes: modernização das redes de transporte, reforço do parque habitacional e implementação de soluções alinhadas com a transição energética. Investir em serviços de engenharia de qualidade não deve ser encarado apenas como um custo no momento da construção, mas sim como uma alavanca decisiva para a redução dos custos operacionais futuros. Infelizmente, muitos promotores — públicos e privados — continuam a subestimar o impacto que uma boa engenharia pode ter na gestão, manutenção e operação dos ativos ao longo do tempo. Soluções bem planeadas desde a fase de conceção permitem poupanças significativas ao longo do ciclo de vida dos empreendimentos, evitando intervenções corretivas dispendiosas, minimizando custos energéticos e reduzindo a pegada ambiental. Daí a importância de incorporar, de forma estruturada, o conceito de custo total de propriedade (Total Cost of Ownership – TCO) nas decisões de investimento. Só assim será possível ultrapassar a ilusão da “proposta economicamente mais vantajosa” — frequentemente baseada apenas no preço imediato — e evitar gastos desnecessários a longo prazo.
Face a este cenário, torna-se urgente desenvolver um novo Código dos Contratos Públicos que reflita as especificidades do setor da construção. O enquadramento legal atual, centrado na lógica do menor preço, tem-se revelado desajustado e incapaz de responder às verdadeiras necessidades do país. A reforma do CCP deve priorizar critérios que promovam a qualidade, a inovação e a competência técnica, assegurando que cada investimento público se traduza em valor duradouro para a sociedade.
O setor da construção tem agora uma oportunidade histórica para se reinventar — promovendo um novo ambiente de contratação pública que integre critérios de qualidade e visão de longo prazo. É nossa responsabilidade coletiva, enquanto agentes ativos do setor, propor e implementar um enquadramento legislativo moderno, que valorize o ciclo de vida completo das infraestruturas e alinhe os investimentos com os desafios ambientais, sociais e económicos das próximas gerações.
Bruno Oliveira, Diretor Comercial da TECNOPLANO
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