Habitação
Fotografia: Tiago Jorge da Silva Estima_Shutterstock
A habitação constitui um dos desafios da próxima década, tendo em atenção o custo da habitação, os rendimentos das famílias e a ausência de um mercado ativo de arrendamento, assim como a ausência de uma promoção imobiliária suficientemente forte. A sociedade portuguesa tem de procurar delinear uma estratégia, a médio prazo, em que o contributo da engenharia e da arquitetura são absolutamente essenciais, bem como é imprescindível a definição de Políticas Públicas adequadas, num quadro de estabilidade. Não é possível dar-se um contributo objetivo para a problemática da habitação em Portugal sem uma estratégia que envolva uma componente política, económica, técnica, ambiental e social e sem a necessária clareza na definição dos objetivos e calendarização das ações.
O Estado, que detém menos de 3 % das cerca de seis milhões de frações habitacionais, não dispõe de uma capacidade imediata de intervir com uma oferta significativa, mesmo atendendo a ações de construção/reabilitação que já estão em curso, mas tem a possibilidade de definir políticas públicas no domínio da fiscalidade que permitam incentivar o mercado predominantemente privado, em particular o mercado de arrendamento, que permitam obter resultados num menor prazo. Refira-se que os alojamentos devolutos, com ou sem condições de habitabilidade, correspondem a 12 % de todo o parque habitacional, isto é, cerca de 700 mil. Muitos estarão devolutas por falta de interesse dos proprietários no mercado de arrendamento. É também imprescindível que a futura oferta de arrendamento de habitação por parte do Estado/Municípios assegure o acesso à habitação com rendas cujo valor seja da ordem de 25 % de dois salários médios mensais, o que poderá exigir que o Estado disponibilize terrenos e edifícios desocupados (em parcerias público-privadas) dos quais seja proprietário, bem como flexibilize e dê celeridade a todo o processo de licenciamento, de uma forma clara e entendível pelos atores, sem deixar de assegurar o controlo das intervenções.
O custo da construção e, consequentemente, o valor de compra e do arrendamento dificilmente terão uma redução, devendo referir-se que a profunda crise do setor da construção, do passado recente (sobretudo a partir de 2011), conduziu a preços demasiado baixos.
Nos últimos anos, corolário de uma maior dinâmica e da falta de mão-de-obra qualificada e disponível e do custo da matéria-prima, volta a sentir-se uma subida muito significativa no custo da habitação. O custo da construção, e em particular da reabilitação, depende dos materiais e dos procedimentos e metodologias de construção, mas também de uma mão-de-obra intensa que tem de ter a necessária qualificação. Neste momento, em algumas áreas, não há profissionais qualificados e reconhecidos. O país deve rapidamente desenvolver um programa de formação de profissionais na área da reabilitação/construção, com saber consolidado suportado no conhecimento, que permita assegurar uma oferta equilibrada, valorizada, mas simultaneamente com maior produtividade, em que a industrialização terá de ter um papel crescente, para que o custo e a qualidade da construção encontrem um caminho sustentável.
O conhecimento técnico de engenheiros e arquitetos é crucial para dar uma resposta a este problema, como também o é o tempo necessário para realizar estudos e projetos competentes que permitiriam encurtar o tempo de execução da obra e evitar conflitualidade. A realidade tem sido bem diferente. Quer o Estado, quer os privados, de uma forma genérica, utilizam como critérios maiores de seleção, para não dizer únicos, o preço e o prazo. O desafio é imenso, mas não tenhamos ilusões, só a organização, o conhecimento e a competência conduzirão a dar a resposta que a sociedade deseja e espera dos profissionais, quer do ponto de vista financeiro, quer do ponto de vista técnico.
A regulamentação portuguesa no domínio da certificação energética e desempenho térmico de edifícios de habitação está enquadrada por Diretivas Europeias que têm conduzido a edifícios energeticamente eficientes, com forte contributo de energias renováveis (ao nível do edifício ou de uma comunidade), convergindo para a neutralidade carbónica em 2050. No entanto, a realidade portuguesa, por razões climáticas, económicas e culturais, é substancialmente diferente de muitos dos países europeus. Nestas circunstâncias, temos um desafio de mudança de paradigma no sentido da descarbonização em que, mais importante do que ter uma regulamentação ou incentivos tecnicamente “perfeitos”, é que os resultados reais da sua aplicação conduzam aos resultados esperados.
O problema da habitação não é igual em todo o território nacional, devendo a resposta ter uma clara componente regional e local, sem deixar de comtemplar a estrutura e dimensão das famílias portuguesas e a tradição de áreas de construção muito elevadas face à média europeia, bem como as condições socioeconómicas que não se alteram por magia de um dia para o outro.
Esta edição da revista procura dar mais um contributo e ser um vetor de sensibilização dos atores e decisores que trabalham neste domínio.
Contempla, embora parcialmente, aspetos da investigação, da prática de conceção e obra e a visão dos decisores, refletindo sobre os seguintes aspetos: i) a visão do Presidente da Ordem dos Engenheiros da Região Norte; ii) apontamentos sobre políticas públicas de habitação - o que aprendemos com a história? iii) balanço e perspetivas em torno da execução das políticas públicas de habitação em Portugal (2021-2026); iv) estratégia local de habitação; v) habitação no centro histórico e “baixa” do Porto e vi) ventilação de edifícios de habitação e sua importância na qualidade do ar, conforto e saúde dos ocupantes.
Em colaboração com Vasco Peixoto de Freitas, co-editor da Construção Magazine nº120
Diretor da Construção Magazine / Professor na FEUP
Se quiser colocar alguma questão, envie-me um email para info@construcaomagazine.pt
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