Segurança sísmica do edificado

D.R.
Portugal situa-se numa zona de atividade sísmica moderada, marcada por eventos raros, mas de intensidade relevante. Sobre os efeitos dos sismos, o país guarda memórias antigas, esbatidas no tempo, o que conduz muitas vezes a um aparente esquecimento de que um sismo ocorrerá inevitavelmente. Esse aparente esquecimento é interrompido por pequenos sobressaltos, quando ocorrem sismos de menor importância como os registados recentemente.
Apesar dos avanços científicos e normativos, a realidade do parque edificado português continua a revelar fragilidades profundas. Estima-se que mais de dois terços dos edifícios em Portugal tenham sido construídos antes da introdução das normas sísmicas modernas, o que significa que não foram dimensionados para resistir adequadamente a um evento de grande magnitude. Em muitos casos, o envelhecimento dos materiais, as intervenções não supervisionadas e a ausência de manutenção agravam ainda mais este cenário.
A segurança sísmica não é apenas uma questão de engenharia civil, é também uma questão de política pública, de cultura técnica e de responsabilidade social. Os edifícios e infraestruturas inseguras não colocam em risco apenas os seus ocupantes, mas toda a comunidade potencialmente afetada pelo colapso ou afetação dos serviços e funções que estes acomodam. A experiência internacional demonstra que cada euro investido em prevenção sísmica pode poupar dezenas em reconstrução e, mas importante, salvar vidas humanas.
Portugal dispõe hoje de instrumentos normativos sólidos, nomeadamente o Eurocódigo 8, que estabelece os critérios para o dimensionamento sísmico das estruturas. Contudo, a aplicação prática dessas normas continua aquém do desejável, especialmente na reabilitação do património construído. A legislação é clara quanto às exigências para novas construções, mas ainda existem alguns entraves a uma consistente avaliação e reforço sísmico dos edifícios e infraestruturas existentes.
A regulamentação atual já estabelece em que condições deve ser realizada a análise da vulnerabilidade sísmica dos edifícios. O desafio que se impõe é criar um sistema de incentivos eficaz que estimule a iniciativa própria de proprietários e condomínios na avaliação e reforço sísmico das suas propriedades. Modelos como o italiano, que permitem a execução faseada de intervenções de reforço estrutural, podem servir de inspiração para promover uma cultura de responsabilização e ação gradual, adaptada à capacidade económica dos cidadãos.
Quando se fala em segurança sísmica do edificado, pode tender-se a pensar apenas nos edifícios, esquecendo estruturas importantes como as pontes e viadutos. Estas infraestruturas, quando inseridas em itinerários prioritários, desempenham um papel fundamental nas operações de emergência e socorro. A relevância destas infraestruturas deve levar a uma reflexão sobre as exigências de desempenho em caso de sismo, definindo as condições de operacionalidade a exigir.
Um outro vetor que merece atenção é a proteção financeira das empresas e cidadãos face a catástrofes sísmicas. Nesta área o papel das seguradoras é essencial, estando neste momento em estudo a criação de um fundo que permita acumular e capitalizar recursos económicos a utilizar em situação de desastre, reforçando assim a resiliência económica nacional.
A cultura de prevenção sísmica deve ser incumbida desde cedo, nas escolas, nos programas de formação profissional e nas comunidades locais. Um cidadão informado é o primeiro agente de proteção civil. Saber como agir durante um sismo, reconhecer sinais de vulnerabilidade estrutural e exigir cumprimento das normas são atitudes que podem salvar vidas.
O país não pode continuar a adiar a sua preparação para um grande sismo, que certamente acontecerá, ainda que em data incerta. Investir na segurança sísmica do edificado é investir na continuidade da nossa história, na preservação do património e na segurança das futuras gerações. O tempo para agir é agora — antes que o planeta nos volte a lembrar, de forma trágica, o que já sabemos há séculos: que o sismo é inevitável, mas o colapso não tem de o ser.
Diretor da Construção Magazine / Professor na FEUP
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