Construções Icónicas em Madeira - As “StavKirker” (Igrejas de colunas) norueguesas

A madeira constitui, como é em geral reconhecido por todos, um dos materiais mais apreciados pelos utentes das construções. É também incontestável que representa, em conjunto com a pedra, um dos mais antigos e perenes materiais usados pelo Homem.

Esta situação deu origem a que, em determinados povos e culturas, alguns tipos de construções em madeira tenham adquirido para esses povos um valor acrescido ao nível histórico, monumental e patrimonial que, de alguma forma, ilustra também um pouco da “alma coletiva” desses povos.

Inicia-se hoje uma nova série de artigos sobre o que designei como “construções icónicas em madeira” e que se vai dedicar a apresentar alguns desses exemplos com que tive a felicidade de contactar e experienciar. Mais exemplos poderão surgir. Neste momento já selecionei quatro:

            - as “StavKirker” (Stave Churches em inglês);

            - as pontes místicas japonesas em madeira, pontes de peões integradas em paisagens de montanha, construídas, desmontadas e reconstruídas há séculos, de forma sequencial, com periodicidade de cerca de 20 a 50 anos;

            - os templos xintoístas e budistas japoneses, dos quais o mais conhecido (a construção em madeira mais antiga da Terra,,,) é o Templo de Nara, próximo de Osaka;

            - os Museus ao ar livre (Folk Museums), com destaque para os nórdicos, onde a preocupação com a preservação e exibição do edificado antigo em madeira é maior:

Este artigo baseia-se sobretudo nas referências bibliográficas [1] a [3], identificadas no final.

Descrição geral de uma Stav Kirker

Na Noruega, a maioria das Igrejas Medievais eram as designadas “StavKirker” (Stav é o termo norueguês para o tipo particular de pilar/coluna em madeira usado nestas Igrejas; Kirker, Igreja em Norueguês) que traduzimos por “Igrejas de colunas” mas que em geral são designadas em português como Igrejas de Madeira.

A madeira era, nestas construções o material de construção mais corrente, sendo usado em praticamente todos os elementos construtivos da Igreja, com destaque para a estrutura (pilares, paredes interiores e exteriores, escadas, vigas, soalhos e coberturas) e os elementos decorativos (altares, decorações de pórticos, capitéis de colunas, bancos e guardas de coros altos).

Os noruegueses continuam a preferir viver em casas de madeira. Mestres na carpintaria naval, nela os vikings encontraram a base de conhecimento que lhes permitiu transformar as suas construções em madeira numa forma de arte através sobretudo das StavKirker.

A construção deste tipo de Igrejas surgiu na sequência da conversão dos povos que habitavam a zona ao Cristianismo, no Século XI, como resultado da ação do Rei Santo norueguês Olav Tryggvason.

As StavKirker representam neste momento a principal contribuição da Noruega para o património arquitetónico europeu, sendo que algumas dessas Igrejas representam as construções em madeira “originais” mais antigas da Europa, onde se mantêm peças em madeira cortadas há mais de 1000 anos, algumas provenientes de árvores nascidas há mais de 1250 anos (por exemplo em Borgund, construída cerca de 1150, ver figuras 1 e 2).

O Cristianismo foi introduzido na Noruega cerca do ano 1000. Um século depois, julga-se que seriam cerca de 750 as Igrejas construídas, tendo atingido um máximo de entre 1000 e 2000 durante a Idade Média, tendo o seu número entrado em forte declínio após a reforma luterana com destaque, para o século XIX, quando muitas das igrejas medievais em madeira foram demolidas.

Neste momento, subsistem cerca de 30 Igrejas Medievais na Noruega, sendo que os noruegueses têm vindo a construir algumas Igrejas novas fiéis ao sistema original, tais como a nova igreja de GOL (Hallingdal), construída cerca de 1994, ver figura 3, ou a Igreja oferecida à Islândia no ano 2000, fabricada na Noruega e erigida na ilha de Heimaey, na Islândia, junto à entrada do porto da ilha, situada no arquipélago islandês quase todo desabitado de Vestmannaeyjabær, ver [3].

Outros países do norte da Europa também construíram Igrejas similares em madeira de que não subsiste neste momento nenhum exemplar. A Rússia constitui o país onde foi construído o maior número de Igrejas deste tipo, tendo a maior parte delas sido demolida após a revolução bolchevique de 1917. Esclarece-se aliás que, neste momento, o alegadamente maior edifício em madeira do Mundo é uma igreja Ortodoxa construída na Rússia cerca de 1860 e designada Kizhi Pogost, situada numa ilha do Lago Onega, perto de São Petersburgo.

As StavKirker representam assim o exemplo mais representativo da tecnologia construtiva em madeira na época medieval que subsistiram até aos nossos dias, sendo por esse motivo atualmente alvo de cuidada preservação, proteção e estudo especiais por parte do povo e Estado noruegueses.

Sistema construtivo

Representando uma inovação construtiva na altura, as colunas (stav) apoiam em pedras de fundação e não são encastradas no solo como era habitual fazer-se nas construções em madeira europeias até ao Século X.

Por esse motivo, para estabilizar as colunas, estas são travadas por vigas de madeira na base e topo de cada coluna, formando uma estrutura porticada nas duas direções ortogonais, o que confere à estrutura uma rigidez e ductilidade globais bastante significativas.

O sistema construtivo destas igrejas inclui diversos outros elementos tais como diagonais de travação, paredes interiores em tabique simples e revestimento exterior em tábuas de madeira maciça colocadas “ao alto”.

As paredes exteriores são apoiadas também num embasamento em pedra.

As coberturas são constituídas por armação em madeira com pendente bastante inclinada (para melhor resistir ao peso da neve…) revestidas por telhas e cumes de grande dimensão e espessura em madeira de bétula, conhecida pela sua boa resistência à humidade.

Desconhece-se como originalmente se resolviam os pontos críticos da cobertura para infiltrações, tais como os rincões reentrantes, sendo que a conceção volumétrica das Igrejas tendia a que estes não existissem.

Originalmente, as Igrejas não tinham caleiras e tubos de queda, sendo que a réplica moderna situada na Islândia já os tem.

A proteção das coberturas contra o ataque de xilófagos era assegurada por uma pintura com um produto natural fabricado à base de “alcatrão de pinho” (pine tar), (resultante da destilação destrutiva do pinho por aquecimento num contentor fechado a altas temperaturas e sob pressão do pinho original em pequenas peças, de onde resulta a destruição da madeira e sua transformação em carvão de madeira e alcatrão de madeira, só este aproveitado para a pintura de preservação…), diluído em óleo de linhaça ou em óleos similares de que os vikings conheceriam o modo de fabrico.

Origens arquitetónicas

Há diferentes pontos de vista sobre a “inspiração base” destas Igrejas, mas o mais consensual parece ser que estas se baseiam nas Igrejas inglesas da época, até porque a cristianização da Noruega ocorreu a partir da Inglaterra, além de que os primeiros padres foram “importados” desse país.

É também aceitável considerar que ocorreu uma influência dos antigos templos pagãos existentes nos locais onde as novas Igrejas foram construídas, tendo ocorrido demolições/reconstruções/adaptações/novas construções com vista à adequação das novas construções aos “novos requisitos” associados ao culto cristão.

A ornamentação justifica a importância das “tradições e hábitos” pré-cristãos, sobretudo devido à abundância de motivos animais e à forte presença de “madeira trabalhada” em pórticos, colunas e paredes com formas e motivos que foram progressivamente migrando para um estilo mais bizantino, com clara influência da Igreja Ortodoxa.

Provavelmente ambos terão razão. Também com certeza é lícito aceitar que, após a consolidação do cristianismo na Noruega, as influências de Roma e de Constantinopla tenham aumentado muito, o que determinou que a forma mais quadrada original das Igrejas tivesse evoluído para uma forma retangular e com três naves (uma central e duas laterais), seguindo um modelo da Igreja Românica da altura.

Exemplos mais representativos

A Igreja de Heddal é a maior deste tipo na Noruega, ver figura 4. Provavelmente foi erigida cerca de 1250. Os frescos das paredes e retábulo datam do Século XVII. A Igreja foi restaurada cerca de 1850 e reparada cerca de 1950.

A Igreja de GOL original foi construída cerca de 1200, ver figura 5. Em 1885 foi transladada para a “Quinta Real”, de Bygdoy, nos subúrbios de Oslo, que neste momento faz parte do Museu Popular Norueguês, sendo atualmente usada em serviços religiosos no Verão.

A Igreja de Urnes fica num local com vistas fantásticas para o “Lustrafjorden” e foi construída cerca de 1200, não tendo sofrido modificações significativas desde a sua construção, ver figura 6. Inclui partes substanciais de um local de culto pagão anterior, com destaque para um pórtico e capitéis de colunas em talha muito decorados, ambos datados de 1050. Esta Igreja foi colocada na lista de “World Heritage Sites” da UNESCO em 1980.

A Igreja de Borgund, ver figura 2, fica perto de Urnes e ambas são acessíveis a partir de Bergen.

Conclusão

As Stav Kirker representam porventura um dos maiores ícones europeus da construção em madeira, considerando em paralelo as suas especificidades construtivas e civilizacionais.

Este tipo de construções é designado neste artigo por construções icónicas. Este tipo de edifícios em madeira constitui porventura o melhor exemplo do tipo de locais onde melhor se sente, pelo menos na minha perspetiva e experiência, uma acrescida interação entre o Homem e o material madeira, vista neste contexto como uma extensão da árvore, indiscutivelmente entendida como o mais nobre representante do Mundo Vegetal…

Espero, com esta nova série de artigos, despertar em muitos dos leitores a curiosidade para visitar alguns deles e porventura experienciarem o ambiente místico que de alguma forma muitos, entre os quais eu me incluo, aceitam existir nestes locais.

Preservar as construções icónicas em madeira (também existem algumas em Portugal…) é uma obrigação de todas as culturas e civilizações.

Referências bibliográficas

[1] – Bugge, Gunnar. – Stave Churches in Norway  – 1983, Dreyer Forlag A/S, ISBN 82-09-01929-5, 85 pp 
[2] – StavKirker, Souvenir Guide book. 2001, Normanns Kuntforlag AS. ISBN 82-7670-005-5 ,35 pp 
[3] Seip, Elisabeth – A stave church for Iceland em “Wooden Handwork. Wooden Carpentry: European Res

Mapa com localização das Igrejas em madeira norueguesas[2]

Igreja de Borgund (ca. 1150) [2]

Igreja de Heddal (ca. 1250) [2]

Igreja de Urnes (ca. 1150); património UNESCO desde 1980 [2]

A Coluna "Estruturas de Madeira" é publicada em todas as edições ímpar da Construção Magazine.

José Amorim Faria

Membro do Conselho Científico da Construção Magazine / Professor na FEUP

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