Construções Icónicas em Madeira - Os Castelos em madeira japoneses (4)

Conclui-se com este artigo a apresentação de algumas das construções icónicas em madeira japonesas.

Desta vez, focamo-nos nos Castelos em madeira, construções fundamentais da estrutura social do Japão a partir do século XV.

Finalizada a “viagem ao Japão”, aproveita-se para fazer uma reflexão sobre a arquitetura tradicional japonesa em madeira e as suas principais características, bem como sobre a metodologia de reabilitação Kaitai-shiro, actualmente seguida no Japão e com a qual o autor muito se identifica.

O artigo baseia-se sobretudo nas referências bibliográficas [1], [2], [3] e [4], identificadas no final, em diversas pesquisas na Wikipedia e em sites de informação geral, bem como na experiência do autor que visitou o local em 2008. As fotos apresentadas são de 2008.

Castelos em madeira no Japão

Os castelos japoneses são fortalezas constituídas por vários edifícios, rodeados por muros exteriores altos em pedra. Os edifícios constituintes dos conjuntos edificados foram originalmente construídos em madeira sobre um embasamento em pedra com forma curva, ver figura 1.

A maior parte dos castelos foi construída no período SENGOKU (1467-1603) e no período EDO (1603-1868). Estima-se que hoje o seu número seja de cerca de 100, tendo atingido no passado um máximo que se estima em cerca de 500.

O castelo de Inuyama, na cidade do mesmo nome na Prefeitura de Aichi, região TOKAI (capital Nagoya) na ilha de Honshu é considerado o castelo mais antigo do Japão ainda com a composição e estrutura originais. A sua construção original foi concluída em 1440. Actualmente, apenas 12 castelos ainda são considerados como mantendo a estrutura original, entre os quais o de Himeji, o mais visitado do Japão, e por esse motivo mais detalhadamente apresentado neste artigo.

No período MEIJI (1868-1912), muitos castelos japoneses foram demolidos. Entre 1868 e 1945, o exército imperial japonês usou muitos castelos como quartéis militares. Entre outubro 1944 e março 1945 a força aérea norte-americana bombardeou intensamente o Japão, escolhendo alguns castelos como alvos preferenciais. Em consequência desses raides aéreos foram destruídos muitos castelos, com destaque para as Torres principais e muitos outros edifícios dos castelos de Nagoya, Osaka, Okayama e Fukuyama, entre outros.

Os castelos mais conhecidos são, além de Himeji na Prefeitura de Hyogo, região KANSAI (capital Kobe) na ilha de Honshu, o castelo de Matsumoto, na prefeitura de Nagano na zona central da ilha de Honshu, e o castelo de Kumamoto na ilha de Kyushu.

O Castelo de Himeji

O castelo de Himeji foi construído na montanha de Himeyama, na cidade de Himeji, tendo ficado concluído originalmente em 1333. Foi objeto de inúmeras demolições e reconstruções, embora mantenha a atual configuração desde 1618 (nos períodos 1601-1609 e 1617-1618 foi muito ampliado, reconstruído e reabilitado).

Foi pouco afetado pelos bombardeamentos da segunda guerra mundial e também pelo sismo de KOBE de 1995. Também sobreviveu sem grandes danos ao seu abandono em 1868 (foi comprado por um privado em 1871). Atualmente é propriedade do Estado Japonês e funciona como museu e local de visita turística, recebendo cerca de 3 milhões de visitantes por ano.

É património da UNESCO desde 1993 (World Heritage Site). As figuras 1 a 4 representam imagens do Castelo de Himeji em 2008. O castelo foi objeto de uma ação muito importante de reabilitação entre 2010 e 2015, tendo reaberto ao público, após reabilitação, em 27 de março de 2015.

Características principais da construção em madeira tradicional japonesa

Os edifícios tradicionais japoneses com estrutura de madeira podem ser sinteticamente definidos da seguinte forma:

            - apresentam uma estrutura principal em madeira do tipo pilar-viga, com elementos robustos e com poucos contraventamentos e sem paredes estruturais;

            - os elementos de madeira são ligados por ligações de marcenaria do tipo “macho-fêmea (espiga)” com pouco ou nenhum uso de ligadores metálicos;

            - a estrutura de madeira em geral fica à vista tanto no interior como no exterior, ficando aparente em relação à expressão final das paredes.

O telhado representa uma parte muito importante das construções, em geral com grandes zonas em consola sobre as paredes (ver figura 4).

Os revestimentos da cobertura eram originalmente em telhas de madeira ou de casca de árvores, sendo desde o século XIX essencialmente feitos em telha cerâmica.

A carpintaria japonesa tem uma forte tradição como “ofício”. O seu desenho baseia-se em “sistemas” tradicionais (entre os quais o por exemplo o Kiware para os sistemas pilar-viga numa base modular e Kiku para a geometria e formas das coberturas, sobretudo para as formas curvas) relativamente consolidados desde o século XVIII. Entraram em declínio na fase do Império Japonês (1868-1945) e atualmente encontram-se em expansão, devido ao patrocínio de diversas prefeituras e também do Estado japonês.

A madeira tem um peso fundamental na Arquitetura tradicional japonesa. Em 2003, existiam 3844 edifícios históricos designados como “propriedades culturais importantes”, dos quais cerca de 90% tinham estrutura de madeira [3].

Na arquitetura tradicional existem elementos de dimensões muito elevadas, sobretudo em pilaresdas que podem ter diâmetros até 1 metro e massas de até 6 toneladas.

Arquitetura tradicional japonesa em madeira – questões funcionais

Os elementos estruturais são claramente visíveis (ver figura 3) e bem separados dos elementos que definem os espaços. A estrutura primária é composta por pilares e vigas e os espaços são delimitados por paredes e elementos móveis no interior, em geral ligeiros em madeira não revestida e elementos translúcidos. No exterior, as paredes eram feitas de terra ou de madeira revestida com argamassas e pinturas.

O grande telhado “pendurado” sobre as paredes representa um papel fundamental nas construções e apareceu sobretudo para combater os rigores climáticos ligados a um clima bastante húmido e chuvoso em grande parte do território. A estrutura da cobertura apoia-se em pilares e define espaços de varanda e de ligação interior/exterior muitas vezes com uma lógica contínua. Nos castelos, as fachadas tinham em geral menos aberturas, por questões de segurança.

Nas habitações em espaços rurais ou menos urbanizados, muitas vezes a cobertura define volumes integrados com o exterior em que a ligação a varandas e jardins é assegurada por painéis móveis opacos ou translúcidos, sempre com a madeira não revestida como material fundamental de construção e acabamento.

A metodologia de reabilitação KAITAI-SHIRO

A metodologia de reabilitação KAITAI-SHIRO é frequentemente seguida no Japão em reabilitação de estruturas de madeira. Pode ser sinteticamente definida como “reparação com desmontagem”. Representa uma das metodologias principais de reabilitação usada atualmente no Japão e remonta ao final do século XIX.

É usada sempre que o sistema estrutural principal sofreu uma grave distorção ou deterioração, verificando-se que uma parte significativa dos elementos estruturais existentes não assegura o desempenho previsto e necessário. É, assim, nesse caso importante substituir alguns elementos estruturais e refazer as diversas juntas entre elementos. Tem, no entanto, como princípio fundamental manter o máximo de elementos estruturais originais e usar na reabilitação, sempre que é necessária a substituição de elementos antigos, métodos e técnicas tradicionais.

Em termos de sequência de ações a metodologia inclui:

- numerar elementos existentes, identificando exaustivamente a sua localização e orientação sob a forma de desenhos e fotografias;

- desmontar elementos;

- substituir peças deterioradas por peças semelhantes; refazer/reparar juntas;

- montar elementos, seguindo uma ordem exatamente inversa da seguida na desmontagem.

A recuperação e reconstrução total e parcial das construções antigas em madeira no Japão, incluindo os castelos, segue esta metodologia, embora se possa dizer que há cerca de 20 a 50 anos muitas reconstruções foram feitas sem qualquer preocupação com o rigor histórico e construtivo atualmente exigidos. Nesse contexto, em muitos castelos antes reconstruídos as estruturas são de aço ou de betão armado.

Conclusão

Com este artigo finaliza-se a descrição de algumas das principais construções icónicas em madeira existentes no Japão.

No próximo artigo desta coluna farei uma incursão até à Arquitetura popular em madeira, recorrendo aos “Folks museums” (também conhecidos como Museus ao ar livre ou Museus de edifícios) como locais onde muito rapidamente se pode perceber a enorme ligação que sempre existiu entre as construções “rurais” de baixo custo e a construção em madeira.

Referências bibliográficas

[1] – Anagnostou, G. – The influence of traditional Japanese timber design and construction techniques on contemporary architecture and its reference to modern timber constructions, GOOTSTEIN Fellowship Report, Sidney, Outubro 2018

[2] – Matsushita, S. – Comparative study of the structure of traditional timber housing in Turkey and Japan; MSc thesis, Middle East Technical University, Ankara, Turquia, Março 2004

[3] – Amino, Y. – An overview of modern Japanese wood construction – Interaction with tradition; in 10th Internationales Holzbau Forum, Garmish-Partenkishen, Dezembro 2004

[4] – Schwetzer, R. – Traditional Japanese wood construction; in 10th Internationales Holzbau Forum, Garmish-Partenkishen, Dezembro 2004

Artigo publicado na Coluna Estruturas de Madeira na edição nº91 da CM

José Amorim Faria

Membro do Conselho Científico da Construção Magazine / Professor na FEUP

Se quiser colocar alguma questão, envie-me um email para info@construcaomagazine.pt

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