O BIM e a Gestão de Projetos

Atualmente os gestores de projeto tendem a assumir um papel limitado na implementação e utilização do BIM (Building Information Modelling) como parte do processo de desenvolvimento dos projetos de construção e infraestruturas. Para maximizar o potencial desta metodologia, requer-se uma maior proatividade e entendimento sobre as implicações e possibilidades que o BIM pode proporcionar ao ambiente construído.

O gestor de projeto pode influenciar na forma como os processos são adaptados e nos requisitos necessários para facilitar a implementação BIM. Deverá assim participar na tomada de decisão desde cedo e estar ciente das vantagens e desafios desta metodologia.

A implementação BIM não significa necessariamente que as organizações tenham de desenvolver novos processos; poderão adaptar processos já existentes. Uma vez identificado onde esta abordagem se enquadra nos fluxos organizacionais, o maior foco deve ser nas pessoas, tecnologia e normalização.

O motivo por detrás do BIM é basicamente o seguinte:  melhorar a forma como os projetos são desenvolvidos e como os ativos são geridos, facilitando, para todas as partes interessadas, o acesso à informação correta, da entidade correta, na forma correta e no tempo correto. Para atingir este objetivo os gestores de projeto podem capitalizar sobre o seu conhecimento e experiência em comunicação, coordenação e colaboração. De facto, a função integradora do gestor de projeto desmonstra que ele pode - e deve - assumir um papel relevante na liderança e governance da gestão da informação.

Requisitos e Usos da Informação

Uma das formas de melhorar a gestão de um projeto consiste em alinhar os requisitos da informação em três categorias chave, definidas na ISO19650, a norma internacional para gerir a informação ao longo do ciclo de vida de um ativo construído utilizando BIM (ver figura 1):

  • Organizacional. Informação necessária para responder a objetivos estratégicos - e.g. eficácia, eficiência e sustentabilidade.
  • Ativo. Informação requerida para suportar o dia-a-dia da gestão do ativo - e.g. registos de equipamentos e instalações e datas de manutenção.
  • Projeto. Informação expressa em termos das fases do projeto - e.g. para a fase de conceção, dados relativos a dimensionamento, prazos, custos e desempenho.

Figura 1. Ciclo de vida genérico da gestão da informação do projeto e do ativo, segundo a ISO 19650-1 [1]

De um modo geral, há três forças condutoras quando o BIM é aplicado ao desenvolvimento de um projeto:

  • Produção de Informação: particularmente relevante para os projetistas.
  • Gestão da informação: consiste em gerir a informação de acordo com a ISO 19650 (ver figura 2), com base em modelos individuais ou combinados, e é normalmente realizada pelo gestor BIM do projeto.
  • Extração e utilização da informação: todas as partes envolvidas no projeto podem ter a necessidade de extrair ou adicionar informação de ou para os modelos BIM, respetivamente.

Figura 2. Relações entre entidades e equipas para efeitos de gestão da informação, segundo a ISO 19650-2 [2]

Gestão da Informação do Projeto

Definindo a gestão BIM como uma função desempenhada por uma entidade independente, o processo para a gestão da informação do projeto, descrito na ISO 19650-2 [2], pode ser dividido em três partes componentes: comercial, gestão e desenvolvimento.

  • Comercial
  1. Estratégia. Toda a informação que é necessário produzir ao longo do ciclo de vida do ativo deve ser especificada, do lado da entidade requerente, na forma de requisitos de troca de informação (EIR). O papel do gestor de projeto no desenvolvimento dos EIR é crucial, dado que tais premissas vão impactar e ser impactadas por requisitos gerais do projeto - e.g. prazos e custos.
  2. Consulta. Toda a  informação relevante deve ser fornecida a cada proponente (entidade fornecedora líder) como parte do processo de consulta, devendo a mesma ser compilada pelo gestor de projeto e incluir: os EIR; referências relevantes; requisitos para apresentar a proposta; critérios de avaliação; e minuta de contrato BIM. O gestor de projeto deve sempre assegurar uma adequada aferição das competências e níveis de maturidade BIM das partes interessadas.
  • Gestão
  1. Resposta. A resposta dos concorrentes ao processo de consulta deve ser coordenada pelo gestor de projeto e deve incluir: o plano de execução BIM (BEP) preliminar; demonstração de competências e capacidades BIM; plano de mobilização de recursos; e análise de risco. A participação do gestor de projeto no desenvolvimento do BEP é preponderante, visto que este plano irá facilitar o alcance dos objetivos do projeto.      
  2. Acordo. A entidade requerente deve garantir que, aquando do acordo estabelecido com o proponente selecionado, a seguinte documentação é incluída: os EIR da entidade requerente; normas e protocolos de informação para o projeto, incluindo alterações ou aditamentos acordados; o BEP final; e o plano de entregas da informação (MIDP). O MIDP deve identificar quando é que a informação do projeto deve ser preparada, por quem e como. Este documento vai permitir ao gestor de projeto relacionar o planeamento do projeto com os entregáveis BIM.
  • Desenvolvimento
  1. Entrega. O ciclo de entregas da informação baseia-se na mobilização de recursos e na modelação de informação em modo colaborativo, o que incluirá produção, extração e utilização de informação até ao fim do período de desenvolvimento do projeto.

Este processo completo deve ser aplicado ao longo do desenvolvimento do projeto para cada fase de contratação de serviços BIM. O BEP deve ser entendido como um documento dinâmico que pode ser atualizado continuamente em função das necessidades. O procedimento habitual para contratualmente incorporar a implementação BIM num projeto baseia-se na adição de uma adenda ou protocolo especificamente relacionado com o BIM, vinculando assim todas as partes interessadas. Com referência à figura 2, uma equipa de desenvolvimento pode ter qualquer dimensão, desde um indíviduo executando todas as funções necessárias até equipas de trabalho multidisciplinares, dependendo da escala e complexidade das atividades do projeto, e pode ser constituída pela entidade requerente ao invés de pela entidade fornecedora líder.

A utilização do BIM evolui ao longo do ciclo de vida do ativo. A fase de conceção está mais orientada para o desenvolvimento e coordenação de modelos, incluindo a sua análise através de simulações “what-if”; nas fases de construção e exploração existe um maior foco na extração e utilização da informação, sendo que na primeira o BIM pode influenciar a tomada de decisão ao nível de processos construtivos, gestão de aprovisionamentos, planeamento de trabalhos temporários, gestão da qualidade, entre outros.

Riscos a evitar

A importância da coordenação de projetos é frequentemente reconhecida apenas quando algo de errado acontece, existindo a tendência de transferir erros de conceção, medição e outros para a fase de construção. Os gestores de projeto têm a oportunidade de mitigar estas ineficiências, reduzindo consequentemente potenciais conflitos, atrasos e custos acrescidos, por recurso à metodologia BIM. Não obstante, para que tal seja possível, devem ser previamente definidos os requisitos contratuais e incentivos financeiros mais adequados para promover a colaboração entre as equipas de conceção e construção - e.g. poderão ser considerados os modelos de contratação “Construction Management at Risk (CMR)” ou “Integrated Project Delivery (IPD)”, incluindo penalidades por incompatiblidades detetadas em obra devidas a erros de projeto. Com a definição destes requisitos e incentivos pretender-se-á evitar os seguintes riscos:

  • Não cumprimento dos requisitos de informação definidos no BEP, levando à fragmentação de processos já definidos para as equipas de conceção e construção; outro risco será os próprios requisitos BIM não estarem corretamente definidos.
  • Alterações resultantes da coordenação BIM não são incorporadas nos documentos do projeto.
  • Coordenação BIM existente mas a obra continua a ser gerida e executada a partir de informação produzida com as metodologias e ferramentas tradicionais.
  • Os subempreiteiros em obra não utilizam, ou utilizam erradamente, os modelos BIM.
  • Coordenação BIM ocorrendo de forma desarticulada com os calendários das equipas de conceção ou construção - e.g. demasiado cedo quando o dimensionamento ainda está em curso ou demasiado tarde para suportar a produção de informação.

Os seguintes riscos também podem ameaçar o desenvolvimento dos projetos com integração BIM, devendo por isso ser considerados na respetiva análise e gestão do risco:

  • Heterogeneidade e falta de competências e capacidades BIM na cadeia de valor dos projetos, o que pode incrementar a resistência à mudança.
  • Insuficiente apoio organizacional para a aplicação do BIM em projetos, normalmente devido à ausência de uma estratégia eficaz para a implementação BIM ao nível das empresas.
  • Dificuldade na definição de KPIs para monitorizar e controlar o sucesso.

Gestão da Mudança

Todas as organizações envolvidas no desenvolvimento de projetos de construção e infraestruturas devem considerar a implementação BIM ao nível institucional, e não apenas ao nível de um projeto ou disciplina - depois da definição de objetivos BIM de alto nível estes poderão então ser refletidos em objetivos BIM para os projetos. Os gestores de projeto podem liderar este processo e participar na elaboração de um plano que garanta o alinhamento das estratégias da empresa, dos projetos e do BIM.

O processo mais reconhecido para a implementação BIM ao nível organizacional é o seguinte:

  1. Apoio interno. Aceitação e patrocínio da gestão de topo.
  2. Estimulação interna. Iniciativas intra-organizacionais, por meio de projetos piloto, envolvendo as equipas de projeto e a gestão intermédia.
  3. Estimulação externa. Iniciativas inter-organizacionais, por meio de parcerias realizadas com entidades chave da cadeia de valor, expandindo e promovendo a aplicação do BIM.
  4. Melhoria contínua. Desenvolvimento de mais, e progressivamente complexos, projetos.

A metodologia recomendada para gerir a mudança associada à implementação BIM é a já estabelecida pelo Professor John Kotter - ver figura 3.

Figura 3. Processo de gestão da mudança definido por John Kotter1

Notas Finais

Apesar do seu potencial, o BIM não é ainda a panaceia que a indústria tem vindo a procurar. A falta de normalização específica; a escassez de recursos humanos reunindo conhecimento e experiência combinada em BIM e na indústria da construção; a dificuldade em definir objetivos SMART (“specific, measurable, actionable, relevant and timely”); e a complexidade em realizar análises custo-benefício, recorrendo ao conceito de custo de oportunidade, baseadas em potenciais erros, omissões, incompatibilidades e outras ineficiências, são alguns dos desafios mais significativos, além da natural resistência humana.

Os gestores de projeto ocupam, contudo, uma posição privilegiada para garantir que estes desafios são ultrapassados e a implementação BIM ocorra de forma mais abrangente e integrada na indústria e nos projetos.

Referências

[1]

EN ISO 19650-1. Organization and digitization of information about buildings and civil engineering works, including building information modelling (BIM) – Information management using building information modelling – Part 1: Concepts and principles (ISO 19650-1:2018)

[2]

EN ISO 19650-2. Organization and digitization of information about buildings and civil engineering works, including building information modelling (BIM) – Information management using building information modelling – Part 2: Delivery phase of the assets (ISO 19650-2:2018)

(1) https://www.groupex-solutions.com/blog/Change-Management-Issues-and-Tips-on-Avoiding-Them

Bruno de Carvalho Matos

Engenheiro Civil

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