Engenheiro Mota Freitas

Mota Freitas está entre os mais reputados engenheiros civis e deixou-nos um magnífico portefólio de projetos de estruturas metálicas e betão armado. Em homenagem, transcrevemos aqui a nossa "Conversas" com o Engenheiro.

Como é que surgiu o interesse especial pelo projeto de estruturas metálicas?

Por mero acaso. De facto, regressado de Angola em setembro de 1968, após quatro anos de Serviço Militar Obrigatório, e tendo já aceitado o cargo de Assistente da FEUP, vi-me confrontado com a necessidade de arranjar um outro emprego, dado o vencimento ridículo de Assistente. Tive três ofertas de emprego, duas das quais muito boas em termos económicos (numa empresa Hidroelétrica e num Banco) mas que exigiam dedicação exclusiva e, portanto, incompatíveis com o compromisso assumido. Aceitei por isso o convite do ETEC (Escritório Técnico de Engenharia Civil), Sociedade Irregular de três sócios: Prof. Armando Campos e Matos, Prof. Aristides Guedes Coelho e Engº Carlos Guerreiro. O vencimento era muito inferior, pois tratava-se de uma colaboração a tempo parcial, mas foi esta a opção que me lançou para o projeto de estruturas metálicas (EM). A princípio fábricas, com as suas coberturas metálicas, mas rapidamente apareceram pontes metálicas, rodo e ferroviárias, para projetar: só de uma assentada foram-nos adjudicados os projetos de oito pontes ferroviárias! Até outubro de 1989 (data em que fui operado a um tumor na espinal medula, de que resultou ter ficado paraplégico), projetei sozinho vinte e tal pontes metálicas rodo e ferroviárias (a grande maoiria). Tenho assim pontes “minhas” nas linhas do Norte, do Douro, do Estoril, das Vendas Novas, da Beira Baixa, e do Oeste. Ainda nesse período tive vários projetos interessantes, tais como seis torres de iluminação de estádios (Boavista, Maia...) e de instalações portuárias (Luanda e Sines); entre estes e muitos outros, os que mais me tocaram foram os projetos da cobertura da Capelinha das Aparições e da cobertura do Auditório do Centro Pastoral Paulo VI (2 900 lugares), em Fátima. Durante a década de 80, o ETEC reforçou os seus quadros com jovens engenheiros e engenheiras de muitíssimo valor. Em equipa projetámos as estruturas do Pavilhão do Futuro (hoje Casino de Lisboa), de três fábricas de papel (custo global de aproximadamente 500 milhões de contos, cada), de uma fábrica de cimento, de grandes pavilhões industriais para a Continental Mabor, de centros comerciais, de hipermercados, das claraboias do Gaia Shopping e de tantas outras obras de grande importância. A ponte ferroviária que aparece nas fotografias e que atravessa o rio Coura, em Caminha, foi projetada por mim com a preciosa colaboração de um desses jovens engenheiros.


Qual o projeto que colocou maiores desafios em toda a sua carreira?

Na fase de conceção das estruturas a adotar, por exemplo, para uma ponte, há que ter em conta a sua posterior montagem, sendo inclusivamente obrigatório indicar, caso a caso, um procedimento construtivo viável. A quase totalidade das pontes que projetei foram executadas pela firma SEPSA, que dispunha de um colaborador, o Sr. João Enes, que idealizava com o auxílio de modelos reduzidos, o procedimento que iria adotar nas montagens. Apenas uma vez pediu a minha opinião... A ponte de Caminha foi construída pela firma Teixeira Duarte, que adotou o seguinte procedimento construtivo: todos os elementos de reforço da ponte existente foram colocados no sítio com gruas que circulavam em carris montados sobre os banzos superiores da mesma, o que permitiu realizar toda a obra sem interrupção do trânsito ferroviário. Ironicamente, a obra que seria a mais marcante da minha carreira e que apresentava enormes desafios em termos de conceção, cálculo e construção, acabou por não ser executada. Tratava-se da nova sede do Banco de Portugal, na Praça de Espanha, em Lisboa (1990). O projeto de arquitetura era da INTERGAUP (Arq.º Vieira da Fonseca) e o de estruturas do consórcio FASE-ETEC. Tratava-se de um edifício com mais de 300 metros de extensão, em que os pisos dos serviços começavam a 50 metros de altura, pelo que era totalmente transparente. Depois de vencidas todas as múltiplas dificuldades da conceção e do cálculo, e depois de devidamente congeminados os procedimentos de montagem a adotar, recebemos a notícia de que a obra não iria para a frente. Razão apresentada: “ A diminuição de funções dos bancos centrais dos países da U.E., face à criação do Banco Central Europeu...” Tivemos um grande desgosto!


Como vê a formação atual em estruturas metálicas dos jovens engenheiros civis?

Apenas posso falar da FEUP e do que se passava no período em que eu e a Prof.ª Elsa Caetano eramos os responsáveis pelas disciplinas de Construções Metálicas e de Estruturas Metálicas e Mistas. A formação dos alunos ficava aquém do que desejávamos, apesar dos nossos esforços. Por semestre, cada um de nós dispunha apenas de 13 aulas de duas horas. Era muito pouco! Tratava-se de uma situação que, a manter-se, urge alterar.


O aço e o betão armado têm sido concorrentes na aplicação a estruturas de engenharia civil. Como caracteriza a situação atual?

Em Portugal, nos edifícios correntes destinados a habitação e/ou escritórios, com altura pouco significativa (digamos até 20 pisos), as estruturas resistentes são, geralmente, de betão armado (BA). Pelo contrário, nas situações em que se pretende um grande impacto visual (novas estações ferroviárias, gares marítimas, edifícios aeroportuários, grandes espaços comerciais, estádios, etc) surgem zonas em que as estruturas são de BA e outras em que são de aço. Na Avenida da Boavista, no Porto, no edifício SANJOSÉ (cerca de 25 pisos), destinado a habitação e escritórios, os pilares periféricos são mistos, constituídos por perfis de aço envolvidos em betão. Esta solução permitiu adotar secções transversais reduzidas e constantes em altura: o aumento da capacidade de carga conseguiu-se por alteração da secção de aço (não visível do exterior), mantendo-se praticamente constante a de betão. Não temos arranha-ceús (felizmente) pois o custo dos terrenos não o justifica. Porém, nos Estados Unidos, nos Emirados da Península Arábica, em Macau, em Hong Kong e, noutras cidades chinesas sobrepovoadas, a sua construção é frequente e as estruturas principais resistentes são de aço. No domínio das pontes o aço deu lugar ao betão armado pré-esforçado. No Porto: Maria Pia, Arrábida, S. João, Freixo, Infante; em Lisboa: 25 de Abril, Vasco da Gama (estaiada). Nas passagens superiores às autoestradas deu-se o inverso: os novos tabuleiros são geralmente suportados por vigas mistas ou por vigas de aço embebidas em betão. O aço continua a ser aplicado na reabilitação e no reforço de pontes metálicas existentes e, ainda, em edifícios de valor histórico: antigos conventos, etc. Acrescento que, em Portugal, os quatro “Prémios Nobel” de Arquitetura e de Engenharia foram atribuídos a edifícios cujas estruturas são de BA/BP. O Prémio PRITZKER atribuído ao Arq.º Álvaro Siza e, posteriormente, ao Arq.º Eduardo Souto de Moura; o Prémio OSTRA atribuído ao Eng.º Segadães Tavares e, posteriormente, a mim e à minha equipa de engenheiros(as), desenhadores(as), etc.

No panorama atual de estagnação da economia, que ações poderão ser desenvolvidas para atenuar o impacto negativo no setor da construção?

Com o país na situação em que se encontra, não são de prever tão cedo obras de vulto. Que fazer então até este pesadelo desaparecer? Usar da imaginação, de muita imaginação, desenvolver as parcerias existentes com alguns países europeus, com Angola, Moçambique, etc, e reatar os laços com os países do norte de África, logo que haja condições para tal.
Outras ações a compreender seriam: melhorar a formação dos alunos de engenharia no âmbito das construções metálicas e das construções mistas; promover a criação de grupos de
trabalho integrando alunos de arquitetura e de engenharia, nas disciplinas de Projeto; promover Encontros de Construção Metálica, em que se privilegie a apresentação de obras inteiramente realizadas com estruturas de aço e convidar arquitetos, engenheiros, representantes de empresas Metalomecânicas e de construção civil, etc.

Perfil

José Fonseca da Mota Freitas nasceu em Chaves a 18 de abril de 1938. Licenciou-se em Engenharia Civil na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto em 1964. Após quatro anos de serviço militar, regressa à FEUP mas agora para dar aulas e lá ficou até 2008. Ao mesmo tempo, começou a trabalhar na empresa de projetos ETEC, onde foi desenvolvendo inúmeros projetos. Do seu currículo destacam-se obras presentes em todo o país, por exemplo: ponte ferroviária sobre o Rio Coura em Caminha, Pavilhão do Futuro na Expo 98, centros comerciais “Odivelas Parque” e “8ª Avenida” (S.João da Madeira),“Business Park da Maia” da Sonae. Foi também responsável pelos projetos das coberturas do auditório do Centro Pastoral Paulo VI e da Capelinha das Aparições no Santuário de Fátima. Mais recentemente foi responsável pela coordenação do projeto da Igreja da Santíssima Trindade em Fátima, obra esta que lhe valeu o Prémio Secil de Engenharia Civil em 2007 e o Prémio Outstanding Structure (OSTRAC), atribuído em 2009 pela International Association for Bridge and Structural Engineering (IABSE).

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