Património do século XX. Cultura material, Ícones

Permanência, obsolescência.

Arqueologia do século XX

Numa entrevista recente, Eric Cline, arqueólogo e historiador, disse que o processo de esquecimento e enterro diz respeito aos valores e ao ambiente construído de todas as civilizações, e que também o nosso será: por conseguinte, mesmo num futuro distante, será o trabalho de escavação que restaurará os modos de existência e as transformações da terra e das camadas superficiais do século XXI; para os arqueólogos do futuro haverá, no entanto, um problema, nada simples, de interpretação dos restos e artefactos produzidos pelas sociedades atuais [1].

Indubitavelmente, como escreveu Bernardo Secchi, “[…] formamos uma ideia da cidade e da sociedade do passado a partir do que resta, seja material construído ou literário; por quanto, ao conservar-se, ele decantou-se e parece estar livre das tensões, paixões, consenso ou recusa que, em seu tempo, pode ter despertado […] O presente, pelo contrário, derrama sobre nós num instante todo o material da cidade contemporânea sem esperar o nosso julgamento e não podemos, hoje, dizer o quanto desse material conseguirá atravessar o futuro […] qual está destinado a perecer, qual a durar”[2].

Nas ruínas da nossa civilização, a rápida obsolescência dos últimos artefactos modernos reflete-se sob muitos aspetos. Em 2000, no início de um novo século e de um novo milénio, saiu Anxious Landscapes. From ruin to rust[3], introduzido por uma descrição icástica de Nova York vista do céu, sobrevoando o centro cintilante e a periferia pós-industrial.  Esta evoca a foto aérea da baixa de Manhattan que Gropius propôs no final do primeiro Bauhaus Bücher, a mesma imagem já publicada por Le Corbusier em L’Esprit Nuveau e depois em Urbanisme (1924). A cidade vertical não planeada, definida pela presença intensa de arranha-céus [4] está naqueles anos no centro do debate sobre a perigosidade do modelo urbano que concentra edifícios altos e provoca uma estética monótona da repetição[5].

A Nova York do fim do século XX exibe os diferentes rostos e as aporias da pós-modernidade, cujos lugares, longe de despertar a paz e o desejo de contemplação, inspiram ansiedade, perturbação e evocam a ideia de "paisagem tecnológica": “The traveler arriving at Newark airport —provided he is seated on the right side of the plane and the weather is good —notices the towers of Manhattan. In the late afternoon, as the sun reflects on the glass walls and reddens the brick partitions, it appears like a magic city made of crystal and porcelain, a city filigreed like a work of art, a transposition of the celestial Jerusalem dreamt up by the painters of the Middle Ages. But in front sprawls a sort of hell, or purgatory: cranes, immense bridges spanning platforms lined with containers, refineries and factories between which are creeping swamps, everything in poor condition and rusted out, as though irreparably polluted yet somehow endowed with a strange beauty. In their brutality, these “steps” to Manhattan create a landscape, a somewhat frightful landscape, but much more real in its crudeness than the distant sparkling of the Empire State and Chrysler Buildings”[6]. Não livre do seu fascínio inquietante, o panorama tecnológico não é fruto do acaso, mas o produto de uma série de projetos; cada artefacto, sistema de infraestruturas, rede de instalações, deriva de um projeto preciso, e mostra ao mesmo tempo os sinais de uma deterioração progressiva e rápida: “Added to the incoherence borne of a diversity of visual registers is the phenomenon of accelerated aging. Within the contemporary city, the new and the less new seem separated by a distance more difficult to cross than the gap between a Gothic cathedral and a Neoclassical château”[7]. Na paisagem tecnológica em constante mudança[8], diante de elementos e técnicas de longa duração, objetos e estruturas que permanecem desprovidos de uso, e cuja obsolescência é muitas vezes planeada, são destinados à demolição, entre estes, muitos edifícios do século XX (depois de cinquenta anos, um edifício é velho e já completou o seu ciclo de vida)[9]. (...)

Artigo publicado na Edição nº88

Carolina Di Biase, Departamento de Arquitetura e Estudos Urbanísticos, Politécnico de Milão

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