Conversas – António Matos de Almeida e Hipólito de Sousa

Nesta conversa, António Matos de Almeida e Hipólito de Sousa dão-nos uma perspetiva sobre o perfil do profissional de construção, apontando os diferentes graus de qualificação e explicando a importância da articulação entre formação inicial, formação contínua, experiência profissional e regulação no setor da construção.

Entrevista conduzida por Cátia Vilaça

No contexto dos vossos percursos, como surgiu o interesse pela área das competências, da formação e dos atos profissionais em engenharia?

António Matos de Almeida – O meu interesse pelas questões profissionais já é antigo. Eu licenciei-me em 1981 e apresentei a primeira comunicação ao congresso da Ordem em 1982. Na altura reportava-me a anacronismos da profissão que um jovem tinha dificuldades em compreender e que 30 anos depois tem dificuldade em aceitar porque continuam por resolver. Mais tarde, como dirigente do colégio de Engenharia Civil, tive um natural envolvimento em questões legislativas da profissão que exigiam mais aprofundamento. A participação ativa na revisão do Decreto 73/73 [define a qualificação oficial a exigir aos técnicos responsáveis pelos projetos de obras] foi uma oportunidade única de reflexão e de debate com os colegas envolvidos sobre questões essenciais da profissão e da qualificação profissional dos engenheiros. No âmbito da Mota-Engil Active School, que é a organização corporativa de formação de quadros, fui desafiado a estruturar o programa de desenvolvimento das competências críticas para o negócio da construção que, juntamente com as competências gerais de gestão que há muito a empresa já tinha implementado, completaria a formação geral de quadros para a área de negócio da construção. Este desafio em ambiente profissional, quando já tinha tido algum contacto com estas questões, acabou por me levar a uma reflexão bastante profunda sobre as competências necessárias para a prática profissional autónoma nas diversas funções que a empresa tinha e também nas outras, naturalmente.

Hipólito de Sousa – O meu interesse por estes assuntos decorre, por um lado, de algumas temáticas que tenho de lecionar e também pela consciência de que havia aspetos insuficientemente resolvidos nesta temática ligada ao enquadramento da profissão. Isto levou a que, com um conjunto de colegas e amigos, me envolvesse na Ordem no início da década passada e tivesse alguma intervenção na elaboração de diplomas e de estratégias, designadamente com o colega Matos de Almeida e outros colegas. Infelizmente, estas dinâmicas não são fáceis de alterar. E algumas das coisas que nós perspetivámos sob o ponto de vista legislativo não surtiram os efeitos esperados. Há aqui um certo desgaste do perfil de engenheiro civil, do seu papel, do seu espaço, e há alguma confusão em torno do que é de facto um engenheiro civil ou dos perfis que podemos ter.

Nos últimos 15 anos tem havido um esforço legislativo no sentido de melhor regular os atos profissionais na construção e também nos perfis de competências requeridos. Que avaliação fazem deste esforço?

António Matos de Almeida – Houve melhorias. No essencial, a Lei 31/2009 veio estabelecer a pré-qualificação exigível a todos os técnicos que intervêm com funções críticas no processo construtivo, que não só o projeto e a direção de obra. Consagra os princípios e a responsabilidade profissional associados a cada função, mas acabou por ser publicado de uma forma amputada porque não resolve a questão fundamental da qualificação. Diz-se que para determinada função e para o exercício de determinado ato é necessária uma qualificação, e a um determinado nível, mas não se explica porquê nem se estabelece nenhuma evidência de que essa qualificação é suportada por competências adequadas aos requisitos. Teve este aspeto positivo mas o saldo acaba por ser muito negativo, sobretudo pela evolução recente, quer em 2015 quer em 2018, com a alteração do diploma que estabelece o regime jurídico dos cursos de engenharia no ensino superior. A alteração do estatuto, em termos práticos, alterou os requisitos para acesso ao título de engenheiro, que antes eram de cinco anos. Do atual mestrado, baixou-se para o nível de licenciatura, com apenas três anos, e no regime jurídico dos cursos institui-se a proibição do mestrado. Não se trata de uma alternativa, trata-se efetivamente de uma proibição do mestrado integrado, e a obrigação de que o primeiro ciclo proporcione desde logo a qualificação profissional. Com o primeiro ciclo, hoje, pode-se atingir o nível máximo de qualificação como engenheiro. Isso veio forçar, dentro do próprio perfil associado a cada nível de qualificação, uma diversidade grande na forma como se combina o primeiro ciclo com o segundo ciclo e já no próprio primeiro ciclo. Ao optar por dar mais largura, mais conhecimento disciplinar, dão-se menos aptidões, portanto o engenheiro sai com conhecimentos mas não com capacidade de os aplicar. Se se opta por uma banda mais estreita, em que se dá um pouco de tudo, o engenheiro sai muito especializado numa determinada área. O sistema é cego porque qualifica através de um grau em abstrato sem ter em consideração as competências efetivas e o seu nível de profundidade, e sobretudo o nível de autonomia que cada curso acaba por proporcionar. Isto resulta numa grande desvalorização da profissão que se traduz na procura mas também numa certa degradação de quem já exerce. Ser engenheiro ou engenheiro técnico hoje já não depende do perfil de formação, só depende da associação em que cada um se inscreve.

Hipólito de Sousa – Houve, primeiro, alguma tentativa de qualificar os atos, regular e sistematizar, e isso foi positivo, mas depois a articulação com o sistema de ensino acabou por não funcionar. (…)

Leia a entrevista completa na Construção Magazine nº104 jul/ago 2021, dedicado ao tema 'Profissão: Engenheiro Civil'

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