Conversas entre Ana Pinho e Eduardo Júlio

Questões e fotografia por Cátia Vilaça

O Fundo Nacional para a Reabilitação do Edificado (FNRE) foi o pretexto para uma conversa que juntou a Secretária de Estado da Habitação, Ana Pinho, e o Diretor da Construção Magazine, Eduardo Júlio, que assume também funções de Vogal Executivo do Conselho de Administração da Fundiestamo, a Sociedade Gestora encarregada de constituir e gerir o FNRE. A conversa permitiu perceber o enquadramento deste novo instrumento financeiro na Nova Geração de Políticas de Habitação e a sua articulação com outros instrumentos de promoção de políticas públicas de habitação.

De que forma é que o FNRE se enquadra na Nova Geração de Políticas de Habitação e também com os outros instrumentos financeiros existentes, nomeadamente os que partilham alguns objetivos, como a disponibilização de habitação a um preço mais acessível do que os valores de mercado?

Ana Pinho (AP): A Nova Geração de Políticas de Habitação foi aprovada a 26 de abril de 2018. Os dois desígnios centrais da Nova Geração de Políticas de Habitação são garantir a todos o acesso à habitação e tornar a reabilitação na forma predominante de intervenção quer ao nível do edificado quer das áreas. Para alcançar estes fins há que perceber que hoje as necessidades que temos em matéria de habitação são muito mais alargadas do que as existentes em épocas anteriores. Embora nunca deixemos de ter de dar uma atenção primeira às famílias mais carenciadas, é necessário alargar o âmbito de intervenção das políticas públicas, nomeadamente, da promoção pública direta de habitação para aquele segmento de famílias que, tendo rendimentos e uma vida estruturada, que numa situação corrente não necessitaria de apoio ao acesso à habitação, hoje precisa dada a situação de mercado que temos e a disparidade entre os preços da oferta e os rendimentos das famílias que se acentua em alguns territórios. Com efeito, em certos territórios, em particular nas cidades de Lisboa e do Porto, existe um aumento da procura e da concorrência pelos espaços habitacionais, a que se aliam alterações na estrutura e na dinâmica das próprias famílias com fortes implicações nas necessidades habitacionais. Com efeito, não devemos esquecer que o decréscimo demográfico não se traduz de forma linear nas necessidades habitacionais. Por um lado, as alterações demográficas não têm igual expressão em todos os territórios, e por outro, lado a habitação depende do número de agregados familiares e não do número de pessoas o que pode significar que mesmo com decréscimo populacional, em consequência de os agregados serem cada vez de menores dimensões, pode não haver redução no número de habitações necessárias, mas somente na tipologia das mesmas. Adicionalmente, a maior dinâmica a que hoje se assiste na composição das famílias ao longo do tempo, com o aumento dos divórcios e a recomposição das famílias, também tem implicações diretas nas necessidades habitacionais, que se tornaram mais dinâmicas – e isto sem esquecer a maior mobilidade que as pessoas têm hoje em dia. Todos estes fatores implicam que haja hoje a necessidade de uma Nova Geração de Políticas de Habitação, que não só dê resposta aos problemas estruturais que herdamos e que ainda persistem em Portugal como às novas necessidades e carências emergentes.

Para dar resposta a estes desígnios consideramos que o primeiro pilar da atuação do Estado deve sempre centrar-se na resposta às famílias mais carenciadas, que é o primeiro objetivo da Nova Geração de Políticas de Habitação. Criámos um programa específico para esse efeito, que é o 1º Direito – Programa de Apoio ao Acesso à Habitação, e para o qual foi estabelecido o objetivo de dar uma solução habitacional a todas as famílias que residem atualmente em situação indigna em Portugal até aos 50 anos do 25 de Abril, estimando-se que estejam nesta situação cerca de 26 mil famílias.

Já o segundo objetivo da Nova Geração de Políticas de Habitação orienta-se para este outro segmento de famílias que, mesmo tendo rendimentos intermédios, hoje não conseguem aceder a uma habitação adequada sem entrar em sobrecarga de custos habitacionais face ao seu rendimento. E aqui achamos não só que a reabilitação como o arrendamento são as vias fundamentais para conseguir alcançar este objetivo da forma mais adequada, tendo em conta a estrutura dinâmica da sociedade atual, o vasto património construído que temos por reabilitar, a necessidade de regeneração dos nossos centros urbanos e os objetivos em matéria de desenvolvimento sustentável. Neste momento Portugal tem um parque de arrendamento muito pequeno face ao resto da Europa, a habitação pública representa 2 % deste parque, ou seja, somos um dos países da Europa com menos habitação pública disponibilizada. Consideramos que temos de alargar muito a oferta neste domínio, não só para fazer baixar os preços como também para ter um instrumento social de intervenção direta neste segmento habitacional. O Fundo Nacional de Reabilitação do Edificado é uma peça essencial aqui porque reúne estas três características. Por um lado, é o instrumento de promoção que, não se restringindo à promoção pública (pode abarcar o terceiro setor), é a via fundamental para promover a mobilização de todos os imóveis devolutos do Estado e do setor público – autarquias locais, administração direta e indireta do Estado. Desta forma, é possível reabilitar, por um lado, e disponibilizar no mercado habitações para arrendamento a custos acessíveis para estas famílias. Por esta via promove-se ainda a regeneração de muitos centros urbanos, que é outro dos objetivos de política territorial, promove-se que haja mais oferta sem se continuar a consumir áreas com urbanização que poderiam ser dedicadas a outros fins. Promove-se também o desenvolvimento sustentável, a redução de movimentos pendulares, ou seja, todos os objetivos que o Ministério do Ambiente tem em consideração, além de ser uma forma muito racional de dar resposta a este desafio porque permite organizar os recursos existentes e torná-los rentáveis – transformar um gerador de despesa ou um passivo num ativo com rentabilidade. Por isso o Fundo é um instrumento essencial neste segundo objetivo de política.

Paralelamente, temos outros instrumentos que se articulam com estes, nomeadamente o Programa de Arrendamento Acessível, orientado para mobilizar o setor privado a disponibilizar oferta habitacional para arrendamento a custos acessíveis, que foi aprovado em abril pelo Governo mas aguarda agora aprovação na Assembleia da República (esperamos que esteja para muito breve), e um conjunto de instrumentos que fazem parte do terceiro objetivo da Nova Geração de Políticas de Habitação, que são instrumentos de apoio à reabilitação. Estes instrumentos são complementares ao FNRE, ou seja, não têm o mesmo objetivo do Fundo, não mobilizam o património público, não são um instrumento com a mesma natureza nem objetivos do Fundo, mas podem ser mobilizados pelo próprio Fundo se assim for entendido.

No âmbito das suas atividades, o FNRE pode, sempre que considere pertinente, aceder aos instrumentos que temos de financiamento às obras de reabilitação, e aqui temos três instrumentos disponíveis, para além dos disponibilizados por via dos fundos comunitários para os municípios no âmbito dos PARU e dos PAICDs. Temos o IFRRU 2020 (Instrumento Financeiro de Reabilitação e Revitalização Urbanas), que tem uma vertente de fundos comunitários e é um instrumento que apoia financeiramente as obras de reabilitação de habitação ou outros usos dentro das ARU - Áreas de Reabilitação Urbana. Através deste instrumento é concedido financiamento a qualquer entidade, pública ou privada, desde que o imóvel esteja numa ARU e beneficie de uma melhoria efetiva e comprovada no estado de conservação e da eficiência energética. O IFRRU 2020 é um instrumento limitado na sua intervenção territorial, mas não está limitado nos fins a que se destina – pode ser para habitação ou para outros usos. Outro instrumento que está disponível e não tem limitação territorial, mas tem limitação de uso, é o Reabilitar para Arrendar. É um instrumento de financiamento que visa apoiar obras de reabilitação que se destinem a arrendamento a custos controlados. O terceiro instrumento é o Casa Eficiente, que consideramos muito interessante porque complementa os dois anteriores, mas que provavelmente terá menos interesse para ser mobilizado pelo FNRE. Não obstante, é o instrumento mais adequado quando o que está em causa não é a reabilitação integral de um imóvel – é o único que financia obras, por exemplo, em frações - e quando a reabilitação incide sobre as dimensões da sustentabilidade ambiental (eficiência energética e hídrica e gestão de resíduos). A natureza deste instrumento torna-o menos adequado para ser mobilizado pelo Fundo, mas para um Portugal em que a larga maioria das pessoas são ocupantes de casa própria em propriedade horizontal, é um instrumento que faz todo o sentido para complementar os restantes.

Existe, portanto, um apoio de Orçamento de Estado, de despesa pública não reembolsável, orientado para as famílias mais carenciadas. Há também um segundo nível, que consiste na mobilização dos recursos públicos construídos, do património edificado público e também do financiador público para as obras em matéria de oferta habitacional pública a custos acessíveis. Depois temos, mais do lado do mercado, benefícios fiscais em sede de isenção de tributação a quem disponibilize os seus imóveis para este fim, e existem ainda instrumentos de financiamento orientados para políticas públicas, todos eles reembolsáveis. No cômputo geral, isto dá-nos uma graduação do esforço público em função dos objetivos de política e da carência das famílias. Quanto mais carenciada é a família, quanto mais objetivos de política cumpre, maior é o esforço do Estado, por um lado da despesa, por outro lado da mobilização dos seus próprios recursos instalados. Depois, há o lado da concessão de empréstimos reembolsáveis ou benefícios fiscais, e isto compõe a nossa visão de que devemos garantir a todos o acesso à habitação, mas que os apoios devem ser proporcionais às reais carências das famílias e às suas reais necessidades.

Em termos territoriais, o FNRE está vocacionado para centros urbanos, segundo a informação disponibilizada até agora. Quando falamos em centros urbanos, estamos a cingir-nos necessariamente a Lisboa e ao Porto, onde a pressão imobiliária se faz sentir de forma mais intensa e a disponibilização de habitação mais acessível pode ter um efeito regulador no mercado, ou poderá ser mais abrangente?

AP: A disponibilização de oferta a custos inferiores aos de mercado tem sempre um efeito regulador desde que tenha escala – que é o que esperamos conseguir no conjunto dos três programas que promovem oferta: o 1.º Direito, o FNRE e o Programa de Arrendamento Acessível. Mas tenho de contestar uma coisa: o FNRE está vocacionado para intervir onde é necessário, ou seja, onde e sempre que existam recursos públicos instalados e carências habitacionais, e que, por essa procura existente não ter uma oferta adequada a custos acessíveis que lhe dê resposta, faça sentido a sua intervenção e esta seja viável.

Eduardo Júlio (EJ): Com efeito, ao contrário do que se poderia supor, o FNRE está representado em todo o território nacional continental (iremos em breve às regiões autónomas dos Açores e da Madeira). Neste momento, temos dois subfundos autorizados pela CMVM, o ImoViriato, em Viseu, e o ImoMadalena, em Lisboa, e mais dois subfundos submetidos, o ImoMondego, em Coimbra, e o ImoAveiro, em Aveiro. Muito recentemente, teve lugar em Tomar uma cerimónia pública onde foram assinados 11 protocolos com as câmaras municipais de Tomar, Santarém, Abrantes, Idanha-a-Nova e Gouveia, com a Santa Casa da Misericórdia de Tomar, com as universidades de Coimbra, Évora, Beira Interior e Algarve e com os institutos politécnicos de Coimbra e Leiria. Isto constitui um potencial de 48 imóveis, 39 mil metros quadrados de área a reabilitar, 219 fogos, 964 camas (em residências para estudantes), num valor total de ativos de 38 milhões de euros, correspondendo 19,5 milhões de euros aos imóveis sinalizados e 18,5 milhões às obras. Como se pode verificar, o FNRE está a ter uma boa adesão em todo o país. Posso ainda referir que, até 2021, e incluindo os que acabei de referir, temos já sinalizado um total de 245 imóveis, constituindo um potencial de 1359 fogos e 6839 camas (em residências para estudantes), num total de 414 milhões de euros de ativos, correspondendo 250 milhões aos imóveis sinalizados e 164 milhões às obras.

A rentabilidade do investimento é um dos pressupostos do FNRE. Como é que esta rentabilidade se concilia, por um lado, com o custo do m2 de construção, e também com o facto de as rendas a praticar serem inferiores aos valores máximos de mercado? Esta conciliação é perfeitamente possível?

AP: É perfeitamente possível e os protocolos já assinados e os subfundos submetidos pela Fundiestamo na CMVM comprovam-no. O mercado imobiliário é o mercado mais imperfeito que temos. Nenhum mercado é perfeito, mas o próprio nome de imóvel acresce muito à imperfeição deste mercado porque nós não conseguimos deslocar os imóveis para onde eles são precisos. Adicionalmente, o custo da habitação está muito mais centrado nas áreas que já amortizaram o seu custo de construção, ou seja, nas áreas construídas consolidadas está muito mais padronizado pelo montante que as famílias conseguem pagar do que pela amortização dos próprios custos de construção, porque essa já ocorreu. A equação que tem de ser feita, caso a caso, é exatamente ter em conta a necessidade de investimento prevista para o imóvel em questão e o retorno expectável, sendo que o retorno tem em conta não só o valor das rendas como a valorização do próprio imóvel. Tem de se avaliar se isto permite ou não a rendibilidade mínima de 4 por cento prevista no FNRE. Na larga maioria dos casos, em que há procura efetiva, sim. Não obstante, a Fundiestamo faz sempre, de forma muito prudencial, uma análise caso a caso para garantir que esta rentabilidade tem um alto grau de segurança porque o principal financiador do FNRE é o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, que ninguém quererá nunca colocar numa situação de risco. Por isso, é sempre feita a estimativa dos custos e dos rendimentos e da valorização do imóvel, mas o que já temos comprovado é que mesmo em localizações improváveis é possível que esta equação bata certo e bata certo com muita confiança da nossa parte.

EJ: De facto assim é. Quando um imóvel é sinalizado, começamos por efetuar uma visita com a nossa equipa técnica. Importa avaliar o estado de conservação do imóvel e verificar o seu potencial para ser reabilitado, tendo em conta a nova utilização em vista (habitação, residência de estudantes, comércio e/ou outra). Recordo que apenas estamos obrigados aos dois primeiros usos em 51 por cento da área bruta, por município, por subfundo. Segue-se a estimativa do seu valor de mercado e do custo das obras, efetuada por avaliadores certificados pela CMVM, assim como a estimativa das rendas, em função de um programa preliminar por nós definido. Chamo a atenção que estamos obrigados a praticar rendas acessíveis (de acordo com o estipulado por um diploma legal em apreciação na Assembleia da República), novamente, em pelo menos 51 por cento da área bruta, por município, por subfundo. A referência para o cálculo das rendas é um levantamento efetuado pelo INE, desagregado por município e, em alguns casos, por freguesia. O estudo de viabilidade económica indicará a rendibilidade esperada. No caso de ser superior ou igual ao mínimo (de 4 % líquido), fixado pelo FEFSS como limiar para a sua participação, a Fundiestamo manifesta o seu interesse em incluir o referido imóvel no FNRE e fornece este estudo ao IGFCSS, entidade gestora do FEFSS, e ao(s) participante(s) em espécie. Havendo acordo de todas as partes, a constituição do(s) subfundo(s) em questão é submetida à CMVM. A questão que coloca (como se concilia a rendibilidade líquida de 4 por cento com as rendas acessíveis?) faz sentido, mas não é de admirar que, na maior parte dos casos, a operação seja viável, atendendo a que a rendibilidade almejada pelos Fundos privados (que praticam rendas a valores de mercado) é significativamente superior aos 4 por cento que o FEFSS estabeleceu.

Já estão definidos os prazos para a primeira e a segunda fases de candidaturas ao FNRE?

EJ: Creio que se está a referir à participação de entidades privadas. Deixe-me começar por detalhar o que é o FNRE (provavelmente já o deveria ter feito antes). O FNRE é um fundo de subfundos, havendo dois tipos de participantes: os participantes em espécie, que entram com os imóveis, e os participantes em dinheiro. Todos recebem unidades de participação (UPs) no exato valor da sua entrada (em espécie ou em dinheiro). Nesta primeira fase, só participam no FNRE entidades públicas e do terceiro setor, sendo o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, o participante em dinheiro. Numa segunda fase, o FNRE será aberto também a entidades privadas e, eventualmente, a pessoas singulares. Não havendo uma ordem temporal pré-definida, a decisão será sempre necessariamente política mas, se não for antes, a partir do momento em que haja comercialização de UPs, parece-me que deixará de haver restrições à participação de privados no FNRE.

Presentemente, as entidades públicas e do terceiro setor que têm imóveis devolutos e estão interessado em participar, sinalizam-nos e nós realizamos o estudo de viabilidade económica, que anteriormente referi. Desde que se chegue à conclusão que a rendibilidade líquida prevista é de pelo menos 4 por cento, limiar imposto pelo Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, indicamos o nosso interesse em integrar o imóvel no Fundo. Numa fase posterior, em que sejam entidades privadas a integrar um determinado subfundo, esse limiar pode ser alterado por consenso entre os participantes em espécie e em dinheiro. A entidade pode estar disponível para ter um rendimento inferior ou pode querer um rendimento superior. A situação terá de ser equacionada, ou poderemos manter o mesmo benchmarking dos 4 por cento. Mas esse cenário não está ainda em cima da mesa.

Como são constituídas as equipas técnicas do FNRE? Esse processo já está concluído?

EJ: Ainda não. A nossa primeira prioridade foi contactar os potenciais participantes em espécie, sinalizar imóveis e constituir os primeiros subfundos. Agora o próximo passo é assegurar a qualidade dos projetos e minimizar o risco de erros e omissões, o que conduziria a trabalhos a mais e, assim, custos acrescidos e prazos para conclusão das obras prorrogados.

Nós queremos adotar uma abordagem modelar, do ponto de vista ético, económico e técnico. Do ponto de vista ético, queremos ser rigorosos e transparentes na seleção das equipas e na adjudicação dos projetos. Do ponto de vista económico, queremos adotar uma abordagem que procurei sintetizar num princípio, que é o princípio do máximo desempenho e da mínima intervenção. A ideia é gastar o menos possível, de forma a obter o melhor resultado, de acordo com os parâmetros atualmente aceites em termos de segurança, conforto, sustentabilidade, entre outros. Do ponto de vista técnico, queremos assegurar a aplicação das melhores práticas de reabilitação urbana.

Muito em breve iremos lançar concursos para constituir bolsas de equipas de projeto, bolsas de equipas de revisão de projeto e bolsas de equipas de fiscalização. Já tínhamos definido que o júri que irá avaliar as candidaturas deveria ser constituído pelo presidente, indicado pela Fundiestamo, por dois vogais arquitetos, indicados pela Ordem dos Arquitetos e pela Direção Geral do Património Cultural (DGPC), e por dois vogais engenheiros civis, indicados pela Ordem dos Engenheiros e pelo Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC). Após o convite dirigido a estas quatro entidades, é com satisfação que indico, em primeira mão, a constituição final do júri: eu terei a honra de presidir, por indicação da Fundiestamo, o Prof. Fernando Branco será o vogal indicado pela Ordem dos Engenheiros, o Eng.º José Manuel Catarino será o vogal indicado pelo LNEC, o Arq. José Canas será o vogal indicado pela DGPC e a Arq. Alice Tavares será o quarto vogal. Infelizmente, a Ordem dos Arquitetos não quis indicar um vogal, razão pela qual foi a Fundiestamo a propor e a convidar esta arquiteta, na qualidade de especialista em reabilitação e na certeza de que defenderá a perspetiva da Arquitetura no contexto do FNRE. Depois de constituídas as bolsas, avançaremos para a adjudicação dos projetos, daí para as obras e, finalmente, para o arrendamento dos fogos e das camas (em residências de estudantes).

Queremos lançar os concursos para as bolsas referidas o mais rapidamente possível. As candidaturas deverão ser submetidas de acordo com regras que o júri irá definir, incluindo os critérios e os pesos a considerar na avaliação dos currículos e dos portfolios das equipas. Vamos avaliar as competências da equipa para intervir, por exemplo, do ponto de vista estrutural, em estruturas de betão armado ou em estruturas de alvenaria e madeira (ou em ambas). Do ponto de vista da eficiência energética, do comportamento acústico, etc., vamos dividir os casos em residências de estudantes e em habitação e, portanto, temos aqui já quatro bolsas. Depois ainda vamos considerar uma componente transversal em termos de complexidade, isto é, vamos verificar se as equipas têm competência para fazer projetos de dificuldade corrente ou se têm competência para elaborar projetos de grande complexidade. Ficamos assim com quatro bolsas com dois níveis cada uma. Depois, conforme referi, vamos constituir igualmente uma bolsa de equipas de revisão de projeto. Queremos que o projeto seja acompanhado desde a primeira hora pela equipa de revisão de projeto, precisamente para minimizar os tais erros e falhas que atrás mencionei. Queremos inclusivamente que a equipa de revisão de projeto seja corresponsabilizada pelo projeto final. Vai haver ainda uma bolsa de equipas de fiscalização de obra.

A virtuosidade deste sistema é que não haverá uma avaliação em mérito relativo; as equipas não serão seriadas. Com isto esperamos reduzir o nível de conflitualidade, de reclamações, de ações em tribunal, etc., o que inevitavelmente implica custos elevados e atrasos significativos. Procuramos igualmente desta forma permitir o acesso a um conjunto mais alargado de equipas, sendo contudo condição necessária terem a competência adequada ao projeto/obra em questão. Tratando-se de intervenções sobre o existente, acreditamos que, na maior parte dos casos, poderemos recorrer ao sorteio dos projetos de entre as equipas habilitadas (i.e., pertencentes à bolsa correspondente), recorrendo a concurso nos restantes casos, i.e., nos casos em que tal se considere necessário. Chamo a atenção de que o que acabei de referir é ainda uma proposta, na medida em que pretendemos consensualizar os procedimentos e os respetivos regulamentos com os membros do júri e com as entidades que os indicaram.

Há mais alguma equipa para além das equipas de projeto, equipas de revisão de projeto e equipas de fiscalização?

EJ: Quando consideramos um imóvel, a primeira equipa a ‘entrar em campo’ é uma equipa de caracterização do existente. Quando se fala em reabilitação, a caracterização do edifício existente é absolutamente fundamental, e a forma como essa caracterização é feita nem sempre é a mais adequada. Os relatórios que as entidades produzem nem sempre têm o conteúdo e a forma de que as equipas de projeto precisam e, nesse sentido, nós estamos a definir regras sobre como apresentar esses relatórios. As equipas de caracterização do existente vão dar resposta a cada caso concreto, de acordo com o caderno de encargos que é preparado por nós e pela equipa de projeto. Esta é uma outra bolsa, que já está constituída mas que ainda deverá ser alargada.

Para cada imóvel há, portanto, a equipa de projeto, a equipa de revisão de projeto, a equipa de caracterização do existente e a equipa de fiscalização. Quando o projeto estiver concluído, juntamente com a equipa de fiscalização, iremos definir os critérios de pré-qualificação das empresas de reabilitação. De entre as empresas pré-qualificadas, será feito um concurso com base nos parâmetros habituais, com especial ênfase no preço e no prazo.

E em que consiste o ‘Guide Book FNRE’, que está a ser preparado?

EJ: Para reforçar o modelo que referi, sempre com vista a garantir a qualidade dos projetos e das obras e a assegurar que se minimiza custos e se maximiza o desempenho dos imóveis, estamos a promover a elaboração de um Guide Book, ou seja, de um guia para as intervenções a realizar no âmbito do FNRE. Há uma série de aspetos que consideramos essencial que as equipas tenham em conta. Poder-se-ia dizer que, se as equipas são competentes e se há regulamentação, basta exercer a atividade de arquitetura e engenharia. Isso não é exatamente assim, por uma razão: os regulamentos foram feitos quando o paradigma era a construção nova; só mais recentemente é que os regulamentos começaram a incluir partes especificamente direcionadas à reabilitação. Falando do que conheço melhor, que é o regulamento das estruturas de betão armado e pré-esforçado, o novo Model Code 2010 da Federação Internacional do Betão (fib) já aborda a reabilitação e o Model Code 2020 (em preparação) coloca a construção existente e a construção nova ao mesmo nível. Os fib Model Code são a base da regulamentação europeia (e mundial), incluindo do Eurocódigo 2 relativo a Estruturas de Betão. Assim, este é seguramente o novo paradigma - tratar de igual modo a reabilitação e a construção nova. Contudo, neste exato momento, a regulamentação nacional ainda em vigor foi elaborada nos anos 1980. Dando novamente como exemplo as estruturas de betão, o regulamento em vigor é o Regulamento de Estruturas de Betão Armado e Pré-esforçado (REBAP), que foi desenvolvido a pensar na construção nova. Se estes regulamentos forem usados no contexto da reabilitação, isso poderá conduzir a intervenções excessivamente intrusivas. Por esta razão, foi criado o Regime de Exceção da Reabilitação Urbana (RERU). O problema é que este peca pelo oposto porque, no limite, permite não intervir, independentemente de ser necessário ou não. Nós, Fundiestamo, queremos definir a abordagem que os projetistas devem ter em conta, segundo várias vertentes: segurança estrutural, com grande ênfase na resposta sísmica, segurança contra incêndio, conforto (térmico, acústico, visual), sustentabilidade (eficiência energética, materiais ecoeficientes, gestão de resíduos de construção e demolição – RCD), acessibilidades, instalações, entre outros aspetos que, para nós, é essencial serem adequadamente considerados. Neste sentido, envolvemos alguns dos melhores especialistas nestas áreas. Por exemplo, no caso da segurança sísmica, fomos convidar colegas ligados à Sociedade Portuguesa de Engenharia Sísmica (SPES), os quais há muito se dedicam a este tema, tendo-lhes sido solicitado para verterem neste Guide Book as indicações, regras e recomendações que, na sua opinião, os projetistas deverão seguir. Gostaria de frisar que o objetivo não é replicar o que já está publicado noutros documentos técnicos e científicos. A ideia é indicar a abordagem a seguir, em cada uma das vertentes referidas, usando uma linguagem muito sintética e direta e remetendo para documentos relevantes, sejam regulamentos, livros, artigos científicos, ou outros.

O Guide Book vai ser um instrumento a ser usado apenas no contexto do FNRE ou será disponibilizado para futuras intervenções de reabilitação que não façam parte deste âmbito?

EJ: A nossa motivação é resolver o problema do FNRE mas, como a preocupação é produzir um documento de elevadíssima qualidade, achamos que faz sentido que este sirva de base a iniciativas futuras, devendo contudo ser adaptado e melhorado. O Guide Book FNRE irá ser entregue a todas as equipas envolvidas no FNRE mas ficará igualmente disponível para toda a comunidade técnica.

Perfil:

Ana Pinho é licenciada em Arquitetura e doutorada em Planeamento Urbanístico. Desenvolveu investigação no LNEC nas áreas da reabilitação urbana, políticas territoriais e conservação do património. Coordenou o Guia Técnico de Reabilitação Habitacional, publicado pelo Instituto Nacional de Habitação (atual IHRU) e foi Comissária da Carta Estratégica da Lisboa para as áreas da demografia e habitação. Em fevereiro de 2017 assumiu funções como vogal executiva do Conselho de Administração da Fundiestamo e em julho do mesmo ano assumiu o cargo de Secretária de Estado da Habitação do XXI Governo Constitucional.

Eduardo Júlio é professor catedrático de Engenharia Civil no Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa. Foi presidente do ICIST e um dos promotores e fundadores do CERIS. Participou ativamente na criação do Laboratório Colaborativo (Co-Lab) Cement Sustainable Technologies. É (foi) membro de diversas comissões e grupos de trabalho de associações internacionais (fib, IABSE, IABMAS, ICOMOS), norte-americanas (TRB e ACI) e nacionais (GPBE, APEE, ASCP). É membro conselheiro da Ordem dos Engenheiros e especialista em Estruturas. Foi editor-chefe da revista internacional ‘Advances in Concrete Construction’ e é editor-associado da ‘Revista IBRACON de Estruturas e Materiais’, editada pelo Instituto Brasileiro do Concreto, e editor-chefe da revista nacional “Construção Magazine”. A sua atividade de investigação, ensino e consultoria centra-se na área da reabilitação urbana, sendo atualmente administrador executivo da Fundiestamo, SGFII, S.A., empresa responsável pela gestão do Fundo Nacional para a Reabilitação do Edificado (FNRE). É (foi) o investigador responsável (ou membro) de mais de 30 projetos de investigação científica, financiados diretamente pela indústria, ANI/Adi, IAPMEI e FCT, alguns destes premiados em concursos nacionais de prestígio, e.g., 'Novo Banco Concurso Nacional de Inovação 2014'. É orientador de trabalhos de pós-doc (6 concluídos), teses de doutoramento (12 concluídas) e dissertações de mestrado (56 concluídas). É autor de cerca de 500 publicações (Google Scholar - h-index=29), incluindo 87 artigos publicados em revistas internacionais, citadas na ISI Web of Knowledge.

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