O Betão Estrutural e os desafios do BIM

O BIM (Building Information Modelling) tem atualmente um nível de divulgação e conhecimento em Portugal ao ponto de dispensar a necessidade de definição no início deste texto, e é uma realidade junto de muitos dos nossos Arquitetos, Engenheiros e Construtores. A alargada adesão ao 1º Congresso Português de BIM (PTBIM), que decorreu na Universidade do Minho em novembro de 2016, foi prova disso. O livro de atas deste congresso [1] está disponível em www.ptbim.org, onde também está anunciado o 2º PTBIM que se realizará no IST em Lisboa, a 17-18 de maio de 2018.

O espírito colaborativo inerente ao BIM tem também sido sentido através de várias iniciativas que juntam parceiros profissionais e académicos, como é o caso da oferta formativa do CursoBIM (www.cursobim.com) promovido em colaboração com a Ordem dos Engenheiros, e dos esforços rumo ao estabelecimento de recomendações e guias encetado pela comissão técnica CT197 BIM (www.ct197.pt).

Neste artigo pretende dar-se um testemunho direto de várias experiências do passado recente que demonstram a viabilidade do uso do BIM no contexto do Betão Estrutural.

Em primeiro lugar, é relevante assinalar que, do ponto de vista tecnológico (i.e. software), a adoção de plataformas BIM já permite dispensar integralmente o recurso a plataformas CAD. De facto, ficou demonstrado em trabalhos publicados a nível nacional que é possível e prático modelar qualquer tipo de geometria tridimensional em betão. Com efeito, em recentes trabalhos [2-3] foi possível integrar metodologias de modelação geométrica capazes de rapidamente parametrizar órgãos complexos de circuitos hidráulicos de barragens como tomadas e restituições de água e centrais hidroelétricas, bem como o próprio corpo da barragem, conforme ilustrado nas Figuras 1 e 2. Mais do que a possibilidade de rapidamente modelar geometrias complexas por modelação paramétrica, é importante relevar o património digital de modelação que cada nova experiência representa para projetos futuros. Esta é também uma oportunidade para fornecedores de produtos/sistemas prefabricados em betão, que poderão disponibilizar classes de objetos da sua gama de produtos online, maximizando o potencial de utilização dos seus produtos diretamente nos modelos BIM realizados pelos projetistas.

Um assunto incontornável na discussão do papel do BIM no betão estrutural é a interoperabilidade com software de análise e dimensionamento estrutural, bem como a modelação de armaduras. Os avanços recentes dos vários softwares disponíveis nestas áreas têm sido significativos, facilitando fortemente os processos. Com efeito, a maior parte dos software BIM para modelação de estruturas de betão permitem já a inclusão de informação relativa à idealização da estrutura a utilizar para efeitos de análise estrutural (p.ex. pilares e vigas idealizados por barras coincidentes com os seus eixos geométricos; lajes idealizadas pelos seus folhetos médios com elementos ‘casca’) e das cargas, casos de carga e combinações a utilizar [1,4,5], com possibilidade de passagem de informação direta para o software de análise/dimensionamento. Existe ainda a possibilidade de interoperabilidade bidirecional após o dimensionamento, permitindo que informação como as secções transversais alteradas e as armaduras calculadas possa ser exportada diretamente do software de dimensionamento para o modelo BIM. Mais uma vez, esta situação traduz-se numa aceleração do processo inerente ao Engenheiro de Estruturas, sendo, no entanto, importante ressalvar a importância da maturidade do técnico no adequado controlo e análise e verificação das diligências tomadas de forma ‘quase-automática’ pelo software.

Regressando às questões da modelação, é relevante particularizar aspetos sobre a modelação de armaduras. Trata-se da componente de modelação BIM em estruturas de betão armado que mais evoluções sofreu desde as difíceis experiências relatadas em 2010 [6]. É hoje radicalmente mais fácil e expedito modelar armaduras [4,5]. Com efeito, a modelação das armaduras em ambiente tridimensional traz desafios de pormenorização que não se punham quando era usado o método tradicional. Em projeto 2D é normal a pormenorização genérica de várias zonas estruturais com ‘pormenores-tipo’, o que acaba por desaparecer no caso de modelação BIM. Por outro lado, as pormenorizações de amarrações e intersecções entre elementos estruturais não detalhadas quando se usa metodologia de projeto tradicional (não pormenorizando de forma deliberada, ou por esquecimento) acabam por se apresentar sempre ao projetista em contexto de modelação BIM, ao invés de serem deixadas ao critério da execução da obra, que frequentemente tem informação insuficiente sobre os esforços instalados na zona em apreço.

Ainda no tema das armaduras para betão, é importante relevar os desafios inerentes à modelação de armaduras de pré-esforço. Com efeito, ainda não está generalizada a implementação de ferramentas para modelação deste tipo de armaduras nos programas de modelação BIM. No entanto, a criação de classes de objetos paramétricos aptos a simular as várias tipologias de objetos inerentes (cabeças de ancoragem, por exemplo) é relativamente acessível conforme demonstrado em [7] - ver Figura 3.

Uma das grandes vantagens do recurso a metodologias BIM reside no reduzido esforço necessário para produção e atualização de mapas de quantidades, bem como de peças desenhadas automáticas. Neste contexto, está já provada a possibilidade de produzir peças desenhadas de qualidade idêntica à do tradicional projeto CAD, com esforço manual mínimo sobre os desenhos gerados automaticamente mediante ‘máscaras’ definidas pelo utilizador [2]. Por outro lado, é possível ter importantes vantagens na comunicação com obra e outros intervenientes através do modelo 3D, navegável através de ferramentas gratuitas [7], ao invés de recorrer apenas a peças desenhadas tradicionais.

Há também que ter em conta o cariz colaborativo inerente às metodologias BIM. De facto, o projeto/modelo feito pelo Engenheiro de Estruturas é resultado de um processo de partilha cuidadosamente coreografado [8] entre as várias especialidades e fases de projeto, desde a conceção arquitetónica até à execução e gestão da manutenção das construções. Este é também um fator que traz novos desafios ao Engenheiro de Estruturas, no sentido em que deve respeitar e seguir um conjunto de regras específicas para poder corretamente efetuar as necessárias trocas de informação (em qualidade, quantidade e no tempo certo) com os restantes atores no processo. Neste âmbito, há esforços relevantes a serem atualmente encetados pela CT197 acima citada para criação de documentação de apoio, estando já em avançado estado de desenvolvimento um ‘Guia de Contratação BIM’ e um ‘Plano de Execução BIM’ que se espera que estejam disponíveis à comunidade técnica em breve. Como nota final deste artigo, efetua-se referência à consolidação de software, processos e conhecimentos por parte da comunidade técnica em Portugal no contexto BIM. A viabilidade do processo já está comprovada, e há já um número significativo de exemplos de boas práticas no nosso país nos vários ramos da construção, e em particular nas temáticas relacionadas com o Betão Estrutural [1]. Espera-se que em breve a partilha de informação baseada em modelos BIM entre todos os atores da cadeia produtiva da construção seja a forma de trabalho padrão, tendo em conta a alargada adoção já sentida nos dias de hoje.

Referências:

1. Azenha, M., Martins, JP, Granja, JL (eds) (2016) Livro de atas do 1º Congresso Português de Building Information Modelling. Universidade do Minho, Guimarães, 24-25 de novembro de 2016. https://doi.org/10.5281/zenodo.166758 .

2. Marques, A (2015) Implementação de metodologias BIM na Direção de Engenharia de Barragens da EDP: casos de estudo de projeto de estruturas em obras hidroelétricas. Dissertação de Mestrado Integrado em Engenharia Civil. Universidade do Minho.

3. Bidarra, L (2015) An integrated model for simulation of construction phasing of arch concrete dams. Dissertação de Mestrado Integrado em Engenharia Civil. Universidade do Minho.

4. Prithviraj CM (2017) Webinar on Tekla Structures 2017- Concrete Features. Disponível em https://www.tekla.com/in/about/webinars/webinar-tekla-structures-2017-concrete-features (consultado em 4 de novembro de 2017)

5. Piechnik P (2017) BIM for reinforced concrete – From 2D to 3D for rebar detailing. Disponível em http://blogs.autodesk.com/bim-and-beam/2017/05/31/2d-3d-rebar-detailing/ (consultado em 4 de novembro de 2017)

6. Fontes H, (2010) Aplicação das técnicas "Building Information Modelling" (BIM) a estruturas de Engenharia Civil e transmissão de conhecimento. Dissertação de Mestrado Integrado em Engenharia Civil. Universidade do Minho.

7. Silva, S (2015) A integração de técnicas BIM nos elementos de projeto de aplicação de sistemas de pré-esforço. Dissertação de Mestrado Integrado em Engenharia Civil. Universidade do Minho.

8. CIC (2011) BIM Project Execution Planning Guide. Version 2.1

Artigo de Miguel Azenha, ISISE, Universidade do Minho (CM nº 82)

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