Revisão de preços nas obras públicas pretende evitar concursos desertos do PRR

O regime excecional para revisão de preços nas empreitadas de obras públicas, perante a subida da inflação, tem por objetivo evitar concursos ‘desertos’ e impactos na execução dos programas de apoio financeiro, no âmbito do Programa de Recuperação e Resiliência (PRR), explicaram à agência Lusa especialistas.

Em causa está a aprovação do decreto-lei, publicado em Diário da República a 20 de maio, que estabelece o regime excecional e temporário de revisão de preços dos contratos públicos, nomeadamente nas empreitadas de obras públicas, perante o atual contexto de subida da inflação.

Conforme explicou o sócio de Direito Público da CMS Rui Pena & Arnaut, Gonçalo Guerra Tavares, um dos interesses da aprovação daquele regime é o da proteção do interesse público, para que não haja “concursos desertos” por falta de interesse dos empreiteiros, nos procedimentos lançados no âmbito do PRR.

“Essa será também uma preocupação, porque, na verdade, quando quiserem lançar estes concursos, poderiam ser confrontados, possivelmente, com um desinteresse por parte dos empreiteiros, porque percebem que se iriam vincular a determinados preços e depois não tinham mecanismo que os protegesse mais tarde”, apontou o advogado.

Para Gonçalo Guerra Tavares, o novo mecanismo excecional e temporário pretende evitar “deserções” nos concursos públicos, uma vez que, sem uma fórmula de revisão de preços, por exemplo, das matérias-primas, que têm subido devido à escalada da inflação, os empreiteiros poderiam não ter interesse em participar.

A possibilidade de pedir uma revisão do equilíbrio económico-financeiro de um contrato público já existia e, segundo o advogado, devido à pandemia, foram feitos vários pedidos, não só por parte de empreiteiros, mas também de contratantes.

No entanto, conforme explicou o associado coordenador de Direito Público da CMS Rui Pena & Arnaut, António Magalhães e Menezes, “os operadores têm resistido a admitir algumas alterações aos contratos porque, naturalmente, determinam o encarecimento desses contratos”.

“Só que agora vemo-nos em situações em que, até do ponto de vista da entidade pública, convém que a obra seja executada”, referiu o advogado, acrescentando que houve, por parte do Governo, o reconhecimento de que a subida dos preços é uma realidade que extravasa o poder dos empreiteiros.

O novo regime excecional, que vigora até 31 de dezembro deste ano, prevê que, para que possa existir revisão extraordinária de preços, o aumento dos custos tem de se refletir num material que represente pelo menos três por cento do preço contratual.

Além disso, a revisão só é possível se o agravamento do preço for superior a 20 por cento, em termos homólogos, caso contrário, o Governo entende que se trata de um risco próprio do empreiteiro.

O novo diploma vem também permitir a prorrogação dos prazos de execução dos contratos, sem que haja lugar a aplicação de penalidades, sempre que a causa seja a não disponibilidade de material.

O diploma aplica-se a qualquer contrato que esteja sujeito às regras de contratação pública, embora a expectativa dos advogados com quem a agência Lusa falou seja a de que os contratos entre privados venham a recuperar algumas destas regras, enquanto houver incerteza nos preços, agravada pela guerra na Ucrânia.

Quanto à resposta do setor à aprovação do diploma, António Magalhães e Menezes considerou que “os empreiteiros ficam melhor do que estavam” tendo em conta que “têm vindo a bater contra uma parede sempre que falam em aumento de preços”.

O presidente da Associação Portuguesa de Compras e Aprovisionamento, João Botelho, considerou que a entrada em vigor do regime “é mais um desafio para os compradores em tempos particularmente difíceis devido aos problemas de escassez de matérias-primas, interrupções nas cadeias logísticas e à situação geopolítica”.

O representante dos compradores considerou, no entanto, que se trata de “uma excelente oportunidade para comprar de forma mais estruturada e mais bem planeada, com cadernos de encargos mais bem definidos e que reflitam, por exemplo, fatores como prazos de propostas e de execução mais curtos, assim como mecanismos de revisão de preços mais detalhados, mitigando, assim, os riscos associados à crescente escalada de preços”.

Já o presidente da Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas (AICCOPN), Manuel Reis Campos, considerou que se trata de uma medida “que o setor reconhece como positiva por parte do executivo e do Ministério das Infraestruturas e Habitação”, dado que, “inequivocamente, o regime excecional de revisão de preços dá uma resposta a questões concretas” que a associação tinha colocado.

No entanto, a AICCOPN sublinhou que este é “um primeiro passo de um caminho que tem de continuar a ser percorrido”, tendo já apresentado ao Governo outras medidas para assegurar a continuidade dos projetos em curso, a execução dos investimentos planeados e a salvaguarda das empresas.

Entre essas questões estão, por exemplo, “a necessidade de conferir maior celeridade às adjudicações” e a “recuperação do regime da Tentativa de Conciliação Obrigatória”, anteriormente previsto no Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas e que é, na opinião da AICCOPN, “plenamente justificado na presente conjuntura”.

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