Geógrafo: Porto está pouco adaptado ao que devem ser as cidades dos nossos dias

O geógrafo José Fernandes considerou que o Porto está “pouco adaptado ao que devem ser as cidades dos nossos dias”, territórios “de proximidade”, apontando ainda que a cidade alargada “não mistura” realidades diferentes.

“É um território pouco adaptado ao que devem ser as cidades dos nossos dias, que são cidades de proximidade”, disse à agência Lusa o geógrafo e professor catedrático da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP).

José Fernandes exemplificou dizendo que “os lugares de concentração dos restaurantes, dos espaços que estão na moda”, especialmente no centro do Porto, são locais “onde mora cada vez menos gente”, o que “aumenta as deslocações”.

As pessoas, como “têm mais acesso ao automóvel, têm mais necessidade de fazer vários movimentos: não é apenas casa-trabalho, mas também deixar o filho, o lazer, o ir ao cinema”, serviços “localizados, muitas vezes, em lugares que não facilitam a deslocação a pé nem em transporte coletivo”, apontou.

“Nós construímos uma cidade muito para o automóvel, com grandes parques de estacionamento na baixa, por exemplo, que é algo que se considera incorreto já há 20 ou 30 anos na Europa”, disse.

O geógrafo afirmou também que o Porto – como cidade alargada, incluindo concelhos vizinhos – “não mistura”, tendo “áreas muito residenciais” e “outras áreas que são quase monotemáticas, cheias de restaurantes, vida à noite, os cinemas ‘multiplex’ dos shoppings”.

“Nós devíamos conseguir construir uma cidade de proximidade. Devíamos tentar opor-nos aos zonamentos, haver uma zona só de trabalho, só de residência, devíamos tentar misturar o mais possível”, defendeu.

O geógrafo considerou que, assim, “há uma grande penosidade numa qualquer deslocação” em transporte coletivo, “o que faz com que seja pouco competitivo com o automóvel”, comparando o Grande Porto com o centro e norte da Europa.

Nessas geografias, apontou, há “paragens confortáveis, ar condicionado, há sempre um lugar no autocarro e fiabilidade no horário”, sendo “um meio de transporte utilizado pela classe baixa, média e alta, por pessoas mais jovens e mais idosas”.

Já no Porto, observa “uma certa separação social e etária”, ilustrando-a com a “dificuldade em encontrar pessoas de gravata a andar num autocarro”.

“Não conheço nenhum autarca que não ande de automóvel. Conheço na Europa, mas em Portugal não me estou a lembrar de nenhum”, disse, considerando que na promoção do transporte coletivo ou da mobilidade suave “o simbolismo é importante”.

Segundo o geógrafo, “muitas vezes o que acontece é que muitas das pessoas que decidem as políticas podem não conhecer os problemas concretos, porque não utilizam” transportes públicos.

José Fernandes não vê, porém, “grande responsabilidade no consumidor”, considerando que “as pessoas são racionais, fazem as suas escolhas em função da oferta e da sua condição, e nessa condição está a geográfica, onde moram e onde querem ir”.

“Sobretudo, não existe um pensamento da ligação entre transportes e uso de solo. Gaia tenta promover-se e promover equipamentos, hotéis e ‘et cetera’, o Porto tenta promover o seu centro, todos tentam promover-se a si próprios, e o transporte é depois o que sobra”, referiu.

Quanto à mobilidade suave e a pé, José Fernandes crê que a pedonal deve ser vista numa “lógica da deslocação útil” – para compras, trabalho, de proximidade –, além das circulações “de lazer, do passeio, desportivas”.

Adiciona-se a “pressão que tem a ver com a população flutuante”, como a turística, fazendo com que, “muitas vezes, o espaço dedicado ao peão não seja suficiente, e leve à pedonalização de uma série de ruas” e “à ocupação do espaço público com esplanadas”, o que reflete a “lógica mais associada ao lazer”.

O mesmo sucede quanto a vias de transporte como as ciclovias, que não são tomadas “a sério como deslocação útil, para ir às compras ou para o trabalho”.

José Fernandes aponta novamente a “grande diferença com o que se passa no centro da Europa e no norte da Europa, onde à volta das universidades os espaços de estacionamento da bicicleta são brutais”.

“Que é cultural, é. Mas as culturas mudam-se”, disse, lembrando a “prática, relativamente ao ambiente, há 30 anos, de deitar priscas para o chão, papel para o chão, não reciclar”, que se alterou em Portugal.

O académico defende ainda que “em muitos casos não é preciso ciclovias”, mas sim uma “convivência do automóvel com a bicicleta”, tendo como pressuposto “que o automóvel em centro da cidade tem de perceber que não é o meio prioritário”, parecendo-lhe “perfeitamente adequado” uma redução das velocidades.

Questionado acerca do desincentivo ao uso do automóvel, considerou que o Porto “não faz nada” e “ideologicamente é marcado por um liberalismo excessivo de ‘cada um que faça o que quiser’, e nesse ‘cada um faça o que quiser’ vence o mais forte, e neste caso o mais forte é o automóvel”.

O geógrafo considerou ainda que muitas das intervenções no espaço público são “fragmentadas”, exemplificando com “uma rua que passou a ser pedonal” ou uma ciclovia que “chega a um certo ponto e para, não é consequente”.

“Não é uma visão integrada”, considerou, observando que “em muitos casos o investimento é muito mais pensado em termos de espaço público do que em mobilidade”, privilegiando “como é que vai ficar bonito, onde é que se põem as árvores, quando é que se faz a inauguração”.

José Fernandes considerou, no entanto, que “nem sempre o modelo de tornar as ruas pedonais é adequado”, pois pode não haver “pessoas que chegue na rua”, tornando-se “insegura, inóspita”.

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