Geógrafo: Obra da IP em Gaia beneficiaria com projeto de inserção urbanística

O geógrafo e professor universitário Álvaro Domingues considerou que a obra que a Infraestruturas de Portugal (IP) está a realizar na Linha do Norte em Gaia sairia beneficiada com um projeto de inserção urbanística.

“Um projeto de inserção urbanística provavelmente não ia resolver tudo, mas podia amenizar a questão, podia gerar uma discussão pública mais ampla”, considerou o professor da Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto (FAUP).

Em declarações à agência Lusa, Álvaro Domingues considerou que “falta delicadeza” nas soluções desenhadas, nomeadamente no que se refere às passagens pedonais superiores e às barreiras acústicas que estão a ser colocadas junto à linha férrea, elementos “intrusivos” que têm gerado contestação, sobretudo nas localidades da Aguda, Granja e Miramar, em Vila Nova de Gaia, no distrito do Porto.

“Falta fazer o que a Metro do Porto faz maravilhosamente: um projeto de inserção urbanística. Estamos a falar do transporte ferroviário, o mais pesado que há, e de uma delicadeza urbana que dá pelo nome de ‘cidade-jardim’. Ali existe um modelo urbanístico que na bibliografia urbanística até tem ‘pedigree’. Postas duas coisas tão distintas e com interesses tão distintos, a ferrovia encerra interesses nacionais e europeus e a parte urbanística interesses locais, estamos perante um cenário de altíssimo contraste”, analisou.

Em causa está o projeto que a IP tem vindo a implementar ao longo do troço ferroviário da Linha do Norte entre Espinho (distrito de Aveiro) e Vila Nova de Gaia, o qual inclui a colocação de separações acústicas, reformulação de apeadeiros e construção de passagens pedonais superiores para substituir as atuais.

Esta obra já motivou queixas apresentadas por movimentos cívicos locais junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, bem como ao Ministério Público e ao Provedor da Justiça Europeu, com o argumento de mau uso de fundos comunitários.

Somam-se o envio de uma carta aberta ao Presidente da República, petições públicas, pedidos de esclarecimento e protestos, como o organizado pelos grupos “Praia da Granja, Cidadãos” e “Amigos da Aguda”, que decorreu a 30 de abril e juntou no local cerca de uma centena de pessoas.

Na assembleia municipal de Gaia que decorreu na semana passada, o presidente da Câmara, Eduardo Vítor Rodrigues, disse que deverá ser fechado até 31 de julho um protocolo “de alto nível” sobre as passagens superiores da Granja e da Aguda.

Segundo o autarca, o objetivo do protocolo, a assinar “pelo senhor ministro” da tutela, Pedro Nuno Santos, é “outorgar politicamente” a solução para a travessia da linha do Norte. Eduardo Vítor Rodrigues disse acreditar numa “boa solução”, mas admitiu que “nunca será perfeita”.

Esta é também a convicção de Álvaro Domingues: “Aquilo não está bem feito, mas não há solução ideal a contento de todos”. O docente recordou que o desenho urbanístico da zona remonta ao século XIX, quando, “pela primeira vez em Portugal, se fez urbanismo de luxo” numa zona de traços balneares e piscatórios.

São mansões onde viviam conhecidíssimos comerciantes, banqueiros, que faziam parte da burguesia portuense e que todos os dias iam de comboio para o Porto, enquanto a esfera doméstica, mulher e filhos, ficava na vivenda junto ao mar. A importância simbólica do comboio era tão grande que as casas construíam-se de frente para o comboio”, descreveu.

Para Álvaro Domingues, “é evidente que há uma certa indiferença ao contexto” quando se opta por projetar para aquele local “soluções técnicas habituais”.

“É sobre este cenário que agora se faz uma obra dura, uma obra grossa. Os elementos [referindo-se às passagens superiores e às barreiras acústicas] são contraditórios [com a envolvente paisagística]”, considerou.

A 14 de abril, em resposta à agência Lusa, a IP afirmou que a construção de uma passagem inferior pedonal para substituir a superior recentemente colocada na estação da Granja constitui “maior risco à segurança dos utentes”.

Além da polémica relacionada com a construção de passagens superiores e de muros nas zonas da Granja e na Aguda, que tem sido alvo da contestação das populações locais, que já os apelidaram de “mamarracho”, “escarro arquitetónico” ou “muros de Berlim”, também está em causa a construção de uma passagem superior na Madalena, que poderá levar à demolição de um mirante do século XIX.

A demolição do mirante da Madalena, classificada pelo historiador de arte Francisco Queiroz como um “dos melhores exemplares no país” e “um exemplo paradigmático de uma tipologia de arquitetura específica de uma época”, está prevista para este mês no âmbito de obras que decorrem atualmente na linha do Norte.

No Plano Diretor Municipal, o mirante ferroviário está catalogado como alvo de “proteção integral” de nível I, o mais alto em termos municipais, segundo a informação oficial disponível.

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