Entrevista a Pedro Figueira

Pedro Figueira fala da complexidade das soluções de proteção costeira, sem deixar de alertar para a falta de conhecimento que por vezes se verifica em relação ao comportamento dos troços costeiros. Ficam também algumas recomendações no que respeita à fundamentação de decisões políticas em pareceres técnicos.

Qual a situação da proteção costeira em Portugal Continental?

A Proteção Costeira pode ser considerada como o conjunto de intervenções realizadas com o objetivo de manter a estabilidade da linha de costa. Essa estabilidade deve ser considerada de um ponto de vista dinâmico, já que a movimentação dos sedimentos costeiros está sujeita à variabilidade dos fatores naturais que a provocam. Na costa de Portugal continental o principal fator é a agitação marítima, que pode apresentar intensidades elevadas, e à qual são inerentes fortes variações anuais e sazonais. Este facto torna complexa a decisão sobre as soluções de intervenção, pois a eficácia dessas soluções tem, geralmente, uma relação direta com a sua dimensão.

A situação de estabilidade natural que existiu em Portugal até meados do século passado foi quebrada pelas consequências das intervenções nas bacias hidrográficas dos principais rios. A construção de barragens e a florestação das bacias hidrográficas, ao reduzirem o volume de sedimentos que entram na circulação geral costeira, provocaram um défice no balanço sedimentar da zona costeira. Esse balanço só pode ser reequilibrado pela entrada de mais sedimentos na circulação costeira, o que, de forma natural, só é possível a partir do fornecimento desses sedimentos pelos sistemas sedimentares costeiros, ou seja, pela erosão destes. Do ponto de vista teórico, uma nova situação de equilíbrio atingida por meios naturais implica uma nova orientação da linha de costa, com a consequente perda de área do território. Essa perda pode ser reduzida através de intervenções no âmbito da Proteção Costeira.

O que deve ser feito para otimizar a situação, isto é, minimizar a erosão costeira com o mínimo de intervenções?

Para responder a esta pergunta é necessário enquadrar o problema da proteção costeira de acordo com as características dos diversos troços da costa portuguesa. Em Portugal continental existem troços de costa com características geomorfológicas diferentes, e que por esse motivo apresentam características diversas no que respeita à sua sensibilidade à erosão. Basta, por exemplo, comparar o troço a norte do Rio Douro, com os troços que se estendem para sul até Peniche, ou as características da costa no Barlavento e no Sotavento do Algarve.

É necessário conjugar a vulnerabilidade à erosão de um troço de costa, com o clima de agitação marítima associado a esse troço. A agitação marítima é o principal fator gerador do transporte longitudinal e transversal de sedimentos numa estreita faixa que se estende ao longo da costa. Este transporte provoca movimentos da linha de costa a que correspondem zonas de erosão ou de acumulação.

Em consequência de a agitação marítima na costa oeste de Portugal continental ser predominantemente proveniente do quadrante NW, o transporte de sedimentos tem aí um sentido de norte par a sul. Tal significa que para que a posição da linha de costa se mantenha naturalmente estável, é necessário que exista uma alimentação de sedimentos na parte norte dessa linha. Ou, que o movimento dos sedimentos seja interrompido, por obstáculos naturais ou artificiais.

O problema, que é recorrente quando se discute como remediar uma situação de erosão, é o de optar entre soluções ditas pesadas e soluções ligeiras. Como em muitos outros problemas, as discussões são realizadas por pessoas com formações de base diferentes e com graus de conhecimento dos fenómenos costeiros também diferentes. A este facto junta-se a falta de conhecimento de muitos dos intervenientes sobre o comportamento dos diferentes troços costeiros e, principalmente, dos mecanismos físicos que comandam esse comportamento. Acrescente-se que nem sequer o conhecimento empírico que poderia ter origem na monitorização do litoral existe, pois essa monitorização não se faz, ou faz-se de forma não sistemática.

De quem é a responsabilidade?

Para além da análise das causas que levaram à situação de erosão intensa em alguns troços da costa de Portugal continental, interessa perceber que elas são por vezes devidas à ausência de estudos de previsão relativos a decisões que, em última análise, remetem para decisões políticas.

Alguns exemplos:

- A cobertura vegetal das bacias hidrográficas, com vista a minimizar a sua erosão, evita a chegada de volumes importantes de sedimentos ao mar e, em consequência, quebra o equilíbrio sedimentar que permite manter naturalmente a estabilidade da linha de costa.

- A construção de barragens nos cursos de água provoca a retenção de sedimentos que, de outra forma, teriam o mar como destino, com consequências iguais à anterior.

- A regularização das linhas de água conduz à redução dos caudais de cheia, responsáveis pelo transporte da maior parte dos sedimentos que vão alimentar a corrente sedimentar litoral.

- A construção de acessos aos portos implica a realização de obras que mantenham as profundidades necessárias para o acesso dos navios. Essas obras provocam perturbações locais no padrão de erosão/acumulação de sedimentos.

Põem-se as questões:

- Deve permitir-se a erosão das bacias hidrográficas?

- Deve evitar-se a construção das barragens? (Note-se que este problema vem da década de 50 do século XX).

- Não se devem fazer portos interiores?

Em última análise a responsabilidade da situação estará nos políticos que tomam decisões não fundamentadas nos conhecimentos de uma área técnico-científica que utiliza várias designações, entre elas: Engenharia Costeira (da designação anglo-saxónica Coastal Engineering), Dinâmica Costeira e Hidráulica Marítima.

Um outro aspeto que é relevante nesta análise é o do elevado preço das obras marítimas, em geral, e das proteções costeiras em particular. O estado tem de assumir que a faixa costeira é, em si mesma, um ativo importante cuja manutenção tem um custo elevado. Além disso os custos das obras de reposição das situações de estabilidade são maiores que os das intervenções de manutenção.

Como prevê o futuro da Proteção Costeira em Portugal?

Em Portugal, a gestão da costa esteve até à década de 90 do século XX na tutela do Ministério das Obras Públicas, através da Direcção Geral de Portos. Em meados de 90 essa tutela foi transferida para o Ministério do Ambiente, com exceção das zonas portuárias. Essa transferência foi realizada sem a, obviamente necessária, transferência dos técnicos, o que teve como consequência esperável a ocorrência de um período de indefinição relativamente às intervenções a realizar.

Na última década apareceu um novo conceito, "o cluster do mar", que apenas conseguiu meter no mesmo saco tudo aquilo que de alguma forma tem a ver com o mar. A proteção costeira é o, ou um dos parentes pobres do "cluster do mar", sendo por muitos considerado, não como o protetor da costa, mas como o principal causador dos problemas de erosão costeira, quando se trata de obras que, com eficácia, conseguem manter a estabilidade da linha da costa.

Sem se poder afirmar que não se faz nada com o objetivo de manter a estabilidade da linha de costa em Portugal, pode, no entanto, dizer-se que se faz pouco e sem critério visível. Espera-se que se evolua da situação do ano 2000, em que um grupo de instituições portuguesas, associadas a um reputado instituto dinamarquês com experiência neste tipo de atividade, elaborou um plano de monitorização da costa portuguesa, o qual continha a caracterização da situação de referência bem como a metodologia a utilizar nas observações a realizar. Essa monitorização contribuiria para estudar e ficar a conhecer melhor o comportamento da costa portuguesa. Assim poder-se-ia intervir fundamentadamente. Esse plano ou desapareceu ou repousa no fundo de algum arquivo.

Entretanto, não desejo que tal aconteça, mas vamos continuar a observar a reposição de areia na Caparica, a qual continuará a invadir embocadura do Tejo.

Pedro Figueira é licenciado em Engenharia Civil e Especialista em Hidráulica Marítima. É diretor técnico da Hyd Consult, empresa que fundou. Desde 2011 que trabalha também como consultor do Banco Mundial para vários projetos. Do seu currículo constam projetos de proteção costeira, planeamento portuário, peritagens e outras obras.

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