Mais reabilitação, mais controlo de qualidade, mais inovação, mais discussão

A Construção Magazine, em cada edição, tem tido a preocupação de eleger temas específicos e trazê-los à discussão, dando-lhes, assim, notoriedade. A térmica dos edifícios foi privilegiada nos últimos tempos com a existência de uma coluna própria, integrando a maior parte dos números nesta revista. Tem competido principalmente ao Engº Carlos Pina dos Santos a responsabilidade de manter a discussão sobre este tema, tendo abordado sempre assuntos atuais e pertinentes. Face à oportunidade de contribuir na discussão desta temática, revi alguns dos artigos, o que me motivou a citar algumas das afirmações.

A propósito da necessidade de reabilitação térmica dos edifícios residenciais, alertou que “Apesar do clima moderado que caracteriza Portugal, a precariedade energética é uma realidade” – o que significa que se “despende mais de 10% do rendimento disponível para assegurar serviços energéticos adequados” (CM nº 54, março/abril 2013). Com este enquadramento, foi oportunamente levantada a questão da privação de utilização de sistemas de climatização por questões económicas, destacando-se os reduzidos consumos energéticos do nosso país per capita e por unidade de área habitada. Esta nossa reduzida cultura de climatização, associada a um parque habitacional com um elevado número de alojamentos termicamente ineficientes, são razões que justificam que, de um universo de 14 países, Portugal apresente a maior variação sazonal de mortalidade, com um acréscimo de 28% em relação à taxa média de mortalidade1.

É praticamente incontornável não equacionar o uso de isolamentos térmicos quando pretendemos garantir melhores comportamentos na envolvente de edifícios.

A esse propósito, nas CM n.º 56 e nº 62 discutiram-se detalhes da marcação CE. A existência de normas europeias harmonizadas relativas a muitas das soluções de isolamento térmico existentes no mercado obriga a que os fabricantes emitam uma declaração de desempenho dos seus produtos associada à marca CE. “Todavia, fica a dúvida de saber se o desempenho declarado é compatível com a satisfação dos requisitos dos uso visado e, portanto, se o desempenho real corresponde ao desempenho pretendido”. É importante referir que a marcação CE não é uma marca de comprovação da qualidade do produto. É, sim, uma garantia de que existe controlo de produção e de que se seguem regras específicas de avaliação e verificação do seu desempenho. A informação constante na declaração de desempenho deve ser usada pelo prescritor para que se garanta a adequação ao uso, em função da aplicação prevista. É preciso, por isso, continuarmos a aprofundar e a difundir conhecimentos nesta matéria, introduzindo-os nomeadamente na fase de formação de novos profissionais.

Em novembro/dezembro de 2013, na CM n.º 58, foi abordada a transposição da diretiva conhecida por EPBD, coincidindo com a entrada em vigor da nova regulamentação sobre o desempenho térmico e energético dos edifícios. Subscrevo o lamento de não se ter concretizado a “criação e funcionamento efetivo de uma Comissão de Acompanhamento e de Revisão da Regulamentação”. Coordenei o grupo de trabalho que foi responsável pela revisão regulamentar, na vertente edifícios de habitação, e que resultou no agora conhecido REH (Regulamento de Desempenho Energético dos Edifícios de Habitação). As entidades envolvidas naquele grupo não têm sido formalmente convidadas a participar nas sucessivas alterações a que assistimos. Considero que o facto de, desde 2013, já terem sido publicadas quatro Decretos-Lei que reveem aspetos do publicado em 2013 (Decreto–Lei n.º 118/2013), revela que as sucessivas alterações não estão a ser sujeitas a um prévio e adequado processo de discussão. Ao todo, entre os que estão em vigor e os revogados, são mais de quarenta os documentos relacionados com estes decretos-lei. Refiro-me a regulamentos, portarias e despachos. Estas mudanças dificultam o exercício da atividade de projetistas e peritos qualificados e criam um sentimento de insegurança aos promotores. Por vezes, no processo de certificação de um determinado imóvel, somos confrontados com a alteração da sua classe energética, só porque um novo referencial entrou em vigor. Ou seja, se certificarmos no dia a seguir à entrada em vigor de novas regras, podemos ter uma classe diferente da que teria obtido no dia anterior.

Algumas destas alterações regulamentares, cuja discussão prévia é reduzida ou mesmo inexistente, repercutem-se drasticamente nas soluções e práticas construtivas. São, muitas vezes, a origem de problemas no futuro. Este assunto foi referido na CM n.º 60, em que o Engº Pina dos Santos refere que “Para dar resposta às novas exigências ou objetivos definidos o meio […] regista uma evolução no sentido do recurso a soluções mais ou menos inovadoras de isolamento térmico […]”. Como se compreende, o lançamento de novos produtos e/ou práticas construtivas tende a agravar o risco de ocorrência de anomalias. Deste modo, se o ritmo das alterações regulamentares é elevado, esse risco cresce. A evolução e inovação das soluções tem sido, por isso e bem, merecedor de atenção, tal como se verificou no n.º 78 de março/abril de 2017, em que foram apresentados resultados de projetos europeus nesta matéria.

Concluo este texto com a convicção de que a “energia nos edifícios” continuará a oferecer-nos imensas e variadíssimas razões de debate, até pelo ritmo a que surgem os novos desafios.

[1] J D Healy, Epidemiol Community Health 2003;57:784-789. doi:10.1136/jech.57.10.784  

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