A nova regulamentação para a reabilitação do edificado

O setor da Construção foi um dos mais afetados com a última crise. Os voos ‘low cost’ e o alojamento local contribuíram para um aumento sem precedentes do turismo. Os vistos Gold, conjugados com outros fatores, trouxeram investimento estrangeiro e muitas empresas internacionais abriram escritório em Lisboa ou no Porto. Como os terrenos disponíveis no interior das cidades eram praticamente inexistentes, havendo em contrapartida vários edifícios devolutos, o setor da Construção virou-se para a reabilitação do edificado. Fruto da alteração legislativa de 2012, os edifícios ocupados com habitação ou escritórios, bem localizados e com rendas baixas, tornaram-se igualmente um alvo interessante para os investidores.

Como consequência de tudo o que atrás referi, o mercado do arrendamento registou uma subida desenfreada dos preços. Confrontado com esta nova realidade, o Governo criou em 2017 a Secretaria de Estado da Habitação (SEH) e concebeu instrumentos para oferecer casas a rendas acessíveis, como o 1º Direito (financiado através do Orçamento de Estado), direcionado às famílias carenciadas, e o FNRE – Fundo Nacional de Reabilitação do Edificado (não financiado, i.e., a atuar em concorrência de mercado), direcionado às famílias da classe média que deixaram de ter capacidade para arrendar casa no centro das cidades. Os diferentes instrumentos desta nova geração de políticas de habitação têm em comum uma abordagem que privilegia a reabilitação do existente, em lugar de promover a construção nova. Esta é claramente a visão certa, devendo ter como objetivos (i) a salvaguarda do património construído, assim como do património intangível a este ligado, (ii) o incremento da segurança, do conforto e da eficiência energética do edificado, (iii) a redução do impacte ambiental da indústria da construção e (iv) a racionalidade económica da intervenção, numa lógica de ciclo-de-vida e não apenas do investimento inicial.

O principal problema da reabilitação é que o ensino e a regulamentação na área da construção têm sido direcionados para o novo. Não havendo formação por parte dos técnicos relativamente ao comportamento de construções antigas, nem uma cultura de salvaguarda do património construído, o resultado tem sido inevitavelmente a demolição do existente. A consciencialização da importância de preservar a valiosa herança cultural que muito do edificado disperso de norte a sul do país representa, não poderia, só por si, resolver o problema. Com efeito, apenas conduziu a que o novo surja ‘camuflado’ atrás da fachada do existente, depois de esventrado o seu interior. E mesmo quando há a preocupação em manter o existente, a intervenção é projetada por adaptação do conhecimento e da regulamentação desenvolvidos para a construção nova o que, não raras vezes, conduz a intervenções demasiadamente intrusivas e dispendiosas. Para ultrapassar todos estes constrangimentos, o XIX Governo criou o RERU - Regime Excecional para a Reabilitação Urbana (Decreto-Lei n.º 53/2014) mas o resultado não foi o desejável e cedo a comunidade técnica e científica apontou falhas, mais ou menos graves, a este diploma. De referir que, atualmente, a regulamentação internacional mais recente aborda já a reabilitação do existente com o mesmo nível de detalhe e importância que a construção nova.

Ciente da necessidade de rever a legislação nacional aplicável à reabilitação do edificado, e com este propósito, a SEH constituiu em 2017 o projeto ‘Reabilitar como Regra’ (RcR). O trabalho ficou concluído recentemente, com a revogação do RERU e a subsequente publicação de diversas portarias que regulam a aplicação do novo diploma legal. Dada a enorme importância do tema da reabilitação do edificado para a comunidade técnica e científica, a revista Construção Magazine, sempre ‘na crista da onda’, decidiu convidar o coordenador do RcR para coeditor do presente número. Como sempre, esperamos que o dossier temático seja do interesse dos nossos leitores e que venha a revelar-se útil nesta fase de adaptação que o lançamento de nova regulamentação técnica necessariamente implica.

Construção Magazine nº 94 AQUI

Eduardo Júlio

Membro do Conselho Científico da Construção Magazine / Professor no IST

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