Conversas entre António Tadeu e Vasco Peixoto de Freitas

António Tadeu e Vasco Peixoto de Freitas partem da aplicação do Decreto-Lei nº 118/2013, que transpõe a Diretiva nº 2010/31/EU, para analisarem a pertinência do regulamento e da forma como tem sido aplicado em Portugal, atendendo às condições climatéricas do país. Aconselham a que se privilegie a intervenção na envolvente ao invés da substituição de sistemas e alertam para as consequências nefastas do excesso de isolamento na Qualidade do Ar Interior.

Qual o ponto de situação três anos depois da implementação do Decreto-Lei nº 118/2013?

Vasco Peixoto de Freitas (VPF): O Decreto-Lei nº 118/2013 foi um instrumento muito interessante do ponto de vista técnico, que eu considero perfeitamente adequado para a construção nova, numa lógica de maior exigência. No entanto, do ponto de vista da reabilitação, que neste momento constitui a parcela mais ativa do mercado, provavelmente haverá um desfasamento. O modelo que nós seguimos foi-nos imposto e tem por base uma lógica europeia em que o que está em causa é a eficiência energética porque todas as famílias usam aquecimento. Não se põe em causa não ter conforto, o que se põe em causa é a eficiência energética, que nesses países faz todo o sentido. O modelo foi transposto para nós sem corresponder à nossa realidade. Penso que para a construção nova, o que foi publicado é coerente, tendo em atenção que estamos a construir edifícios para durar muitos anos – a sociedade vai evoluindo e faz todo o sentido ter edifícios eficientes. Já para a reabilitação, o regulamento constitui um problema e isso foi evidenciado pela necessidade de publicar o Regulamento Excecional de Reabilitação Urbana, que pretende simplificar o processo. Depois, a ADENE, como entidade reguladora, pretende controlar essa simplificação, e deparamo-nos com uma dificuldade de aplicação para a reabilitação.

António Tadeu (AT): É muito positivo o esforço que tem sido feito no sentido de tornar as casas mais eficientes em termos energéticos mas também interessa olhar para o que acontece em termos de vivência dentro das próprias casas. Usamos modelos de simulação e normas para dimensionar espaços, partindo do pressuposto de que os espaços são todos aquecidos e que temos espaços simultaneamente ocupados durante o dia e durante a noite. Na realidade, para poupar as pessoas acabam por restringir os espaços aquecidos aos espaços frequentemente habitados, nomeadamente as cozinhas, os quartos, etc. Por outro lado, esses espaços são mantidos aquecidos apenas durante parte do período do dia, pelo que estamos a falar de diferenças enormes em termos de quantificação de energia necessária e efetivamente usada. As taxas de ocupação desses espaços são, na realidade, muito baixas.

VPF: Sabemos que, de toda a energia consumida, só cerca de 4 por cento é utilizada para aquecimento e arrefecimento e, portanto, o esforço que tem de ser feito no sentido da eficiência energética dos edifícios deve ter em atenção esse valor macro. Por outro lado, aquilo que foi dito pelo Prof. António Tadeu também é confirmado por estudos realizados na FEUP - a energia efetivamente consumida para aquecimento e arrefecimento, mas sobretudo para aquecimento, é menos de 10 por cento do valor teórico estimado. Isto não é só verdade para Portugal, também é verdade para outros países, só que o diferencial entre o teórico e o real em Portugal é gigantesco e noutros países é apenas significativo.

AT: Nós temos estudos que apontam para valores na ordem dos 13 a 14 por cento, por isso o diferencial é muito grande.  

Também é importante a forma como muitas vezes atuamos perante uma determinada intervenção em termos, por exemplo, de reabilitação. Frequentemente, tenta-se arranjar maneira de fazer uma intervenção o mais simples possível, que consiste em substituir sistemas, trocando-os por outros com rendimento muito superior. Se temos um edifício doente, este continua doente, e acabamos por não ter uma intervenção séria na envolvente mas antes uma que permite poupar alguma energia. Esta poupança não se faz com o tratamento do edifício que está doente mas à custa da troca de um sistema que, em função da evolução do próprio equipamento, acaba por ser muito mais eficiente.

Um dos artigos a publicar nesta edição sugere colocar a tónica no conforto higrotérmico, ao invés da eficiência energética. À luz da legislação existente, é possível privilegiar esta vertente?

AT: Eu considero que a legislação vai no sentido de arranjar forma de ter conforto. Estou convencido que os modelos e a regulamentação existentes vão no sentido de garantir a eficiência energética perante padrões de conforto.

VPF: Eu acho que essa visão de que em Portugal é importante melhorar o conforto é indiscutível. Temos um modelo de certificação e aprovação de projetos localizados em centros históricos que estão dispensados de cumprir a regulamentação. O certificado energético não é mais do que uma etiqueta que diz, nominalmente, quantas toneladas de CO2 são produzidas com o gasto de um determinado número de kW e de água por metro quadrado para aquecer ou arrefecer o respetivo espaço. Isso nem do ponto de vista do país, nem do ponto de vista das pessoas, é importante. O que importa é que se possa ter uma intervenção no sentido do conforto. Isto passa por conforto passivo, o que significa, primeiro, tratar a cobertura, e depois os restantes elementos da envolvente. Os sistemas são uma parte importante quando se consome muita energia. Quando a energia não é o vetor principal, mas sim o conforto, do meu ponto de vista o conforto passivo é que é decisivo, e temos de encontrar o justo necessário. Já sabemos que quanto mais espessura de isolamento colocarmos, mais agravamos os problemas no verão. No inverno, para as famílias que não aquecem, o benefício é praticamente nulo. Tem de haver um valor máximo de isolamento e de tratamento da envolvente que também tem de estar limitado quando o que está em causa é assegurar o conforto e não o consumo efetivo de energia. A portaria 405/2015 é absolutamente catastrófica porque impõe que os valores máximos sejam da ordem dos 0,3/0,4/0,45 watts por metro quadrado por grau Celsius. Em reabilitação isto é praticamente impossível de fazer. Ao fazer desaparecer o conceito de valores de referência e de valores máximos admissíveis, esta portaria vai ter consequências dramáticas que podem ter dois resultados: ou as pessoas não cumprem (que é o que acho que vai acontecer), ou se cumprirem estamos a fazer um investimento sem benefício direto para os utilizadores nem para o consumo de energia do país.

AT: Existem, de facto, valores que nos permitem obter rentabilidade económica em função das espessuras de isolamento utilizadas. Não interessa, em alguns casos, fazermos investimentos muito grandes porque a seguir não temos retorno.

A inovação em materiais de construção vai no sentido da promoção do conforto?

AT: Nos últimos anos as empresas têm procurado desenvolver novos produtos e sistemas mais eficientes. Há muito mais preocupações em conceber caixilharias com resistências térmicas muito superiores. Há uma preocupação muito grande das empresas em obter novos produtos, muitas vezes já a pensar na economia circular, ao valorizar a inclusão de desperdício, e por isso acaba por ser algo muito relevante. Estou convencido de que os regulamentos e as obrigações perante os novos projetos fazem com que a indústria adote uma atitude de desenvolvimento desses produtos. Mais, essas empresas acabam por, devido à recessão, procurar novos mercados, nomeadamente mercados internacionais, em especial os do norte da Europa, muito mais exigentes em termos de valores de referência, de características dos produtos e dos sistemas construtivos. Eu verifico, no ITeCons, que existe uma procura muito grande e essa procura tem crescido bastante no sentido do desenvolvimento de novos produtos e novos sistemas. É o caso de caixilharias, sistemas de cobertura, claraboias. Há uma intenção de tornar todos esses sistemas muito mais eficientes.

VPF: Eu corroboro esta ideia de que a regulamentação, apesar dos defeitos que foram assinalados, teve uma enorme vantagem para a indústria, que é a de a empresa ter de vender um produto qualificado e não um produto qualquer. Esse esforço da inovação, e de usar materiais cada vez mais sustentáveis, como agora se designa, é um percurso que tem sido feito. Como foi dito, nós temos de ter materiais não só para o mercado interno mas para o mercado exportador. O mercado recetor desses países normalmente é muito exigente, sobretudo quando caminhamos para o centro e norte da Europa. Acho que a indústria tem de pensar não só no componente mas também no edifício como um todo. O próximo passo é sermos capazes de avaliar utilizando modelos higrotérmicos avançados ou modelos simplificados avançados que nos permitam quantificar o efeito efetivo de cada um dos componentes no desempenho do conjunto, mas do ponto de vista dos materiais e dos componentes. O percurso tem sido muito positivo, a indústria tem procurado dar resposta, tem procurado a inovação e isso sente-se na atividade dos vários laboratórios e dos vários institutos em Portugal.

Presumo que o Prof. António Tadeu sinta esta tendência em particular aqui no ITeCons…

AT: Sim, sente-se e vai até mais longe. Neste momento, as empresas não só querem desenvolver novos produtos mas também caracterizá-los. As caixilharias têm de ter marcação CE para serem aplicadas em qualquer local. A marcação CE, só por si, não significa que o produto é melhor ou pior, significa que há propriedades desse produto que foram quantificadas. Além de procurarem a marcação CE, vão também verificar se conseguem atingir performances mais elevadas para que, de alguma forma, consigam vencer no mercado, em especial no internacional.

VPF: Eu penso que o que está em causa em relação às soluções e aos sistemas é sermos capazes de quantificar o desempenho no seu conjunto. Há um desafio sobre a mesa, que está a ser desenvolvido, e que implica passarmos a ter um certificado energético que nos indique, para um determinado componente, cobertura, claraboia ou equipamento de águas quentes sanitárias, qual é a etiqueta energética de consumo teórico e de produção de CO2. Ao mesmo tempo devia ser emitida uma etiqueta chamada “índice de desconforto passivo”, que nos indique o índice de desconforto caso os utilizadores não tenham condições financeiras para aquecer ou se usarem apenas um aquecimento intermitente duas, três ou quatro horas por dia. Quando passamos da classe C para a classe A, do ponto de vista energético se aquecermos 24 horas e arrefecermos 24 horas temos um benefício. No entanto, do ponto de vista dos utilizadores, se não existirem condições económicas, ou se por razões climáticas ou culturais apenas se aquecer duas ou três horas por dia, o facto de subir a classe energética com medidas de melhoria nos edifícios existentes pode conduzir a um menor conforto. Por outras palavras, acho que temos de contrabalançar para os climas mediterrânicos, para os países do sul da Europa, duas etiquetas: um certificado energético clássico, que já está implementado, e outro associado à capacidade de indicar um índice de desconforto passivo que diga às famílias, para as condições reais de utilização, como se comportam os edifícios.

Os países do sul da Europa, com condições climáticas semelhantes, conseguem fazer-se ouvir junto das instâncias europeias que emanam estas diretivas?

VPF: O modelo europeu não vai nesse sentido porque o grande objetivo, definido há muitos anos, foi o de conseguir menos 20 por cento de consumo de energia. A lógica foi sempre uma lógica de consumo, mas nós sabemos que há pobreza energética em muitos países do sul da Europa. Isto não acontece só em Portugal mas também no sul de Espanha e no sul de Itália. Nós sabemos que os cálculos teóricos e os modelos aproximados que nós utilizamos estão desfasados da realidade, e como os modelos estão desfasados o contraponto tem de vir por esta via. Uma família que compre uma casa A+ ou B, se não tiver condições de a utilizar aquecendo e arrefecendo, deve ter acesso a um índice, um número, uma classe que defina o desconforto passivo. Se me pergunta se isso é facilmente compreendido por Bruxelas, neste momento não.

AT: E por vários motivos. Em especial por causa do clima, porque eles têm muito mais necessidade de aquecer do que nós, mas também por uma questão cultural e económica. As pessoas não aquecem todos os espaços. Possivelmente durante o dia aquecem três, quatro horas, aquecem quando chegam a casa e de manhã, mas passam a noite sem aquecer. Há divisões que, durante o ano, quase não aquecem e isso acaba por determinar um comportamento muito diferente daquele que possivelmente é vulgar noutros países da Europa.

VPF: Não nos esqueçamos que até 1990 não se falava em isolamento térmico em Portugal. Não se falava em eficiência energética mas falava-se em conforto intuitivo. Os arquitetos e os engenheiros sabiam projetar de determinada forma. Deu-se um avanço absolutamente extraordinário, introduzindo ciência e conhecimento. O problema é que chegámos a um momento em que a quantidade de informação em que a componente técnica está envolvida é muito superior àquilo que são as necessidades das pessoas, dos técnicos e do mercado. Provavelmente chegou o momento de fazer uma inflexão, tornando toda a informação e todo o conhecimento num conjunto de recomendações, de soluções de referência para poder servir as pessoas, para poder servir a sociedade. Não está em causa regredir mas aproveitar a qualificação dos materiais e o conhecimento disponível para transmitir algo que a sociedade compreenda. Um exemplo: ninguém reconhece um certificado energético. As pessoas compram o certificado energético porque é obrigatório mas ninguém o valoriza como instrumento de classificação da sua casa. Todos nos sentimos tristes, e eu em particular porque estive desde cedo envolvido nesse assunto, pois esperava-se que o certificado energético pudesse ser um instrumento que nos indicasse uma determinada escolha. O custo envolvido para produzir esses certificados energéticos é inferior a 150 euros por certificado, o que significa que não há engenharia, não há qualificação para fazer essa tarefa e esse desfasamento entre o modelo a que se chegou, o enorme conhecimento científico e tecnológico que se atingiu e as necessidades da sociedade deviam obrigar os países do sul da Europa a refletir e encontrar uma via mais simples que seja compreendida pela sociedade. Essa é a minha perspetiva para o futuro.

AT: De facto, as pessoas vão à procura de um certificado e eu acho que o certificado devia ser olhado como uma peça que permita não só quantificar mas perceber o que fazer para melhorar, e muitas vezes isso não é pensado dessa forma.

Há aqui uma outra questão que são as intervenções feitas nos edifícios com vista à melhoria da classe, baseadas na troca de sistemas. Eu defendo que o primeiro aspeto a ter em conta deveria ser o tratamento da envolvente para que a pessoa sinta que tem capacidade de melhorar. Custa-me muito verificar que, em algumas intervenções, se esquece o que se passa na envolvente, não se intervindo nas caixilharias, que são, geralmente, os pontos mais fracos, e quando damos conta estão a trocar-se as caldeiras existentes por outras mais eficientes. As soluções passivas, sem dúvida nenhuma, são aquelas que devem ser privilegiadas numa intervenção.

VPF: A eficiência energética é muito importante porque estamos a condicionar o espaço onde vivemos mas o caminho que tem sido seguido assenta na redução brutal da quantidade de ar novo introduzido no caudal de ventilação. O valor de 0,4 RPA, aceite pelo regulamento, significa que aceitamos baixíssimos caudais. Ora, com baixíssimos caudais e sem aquecimento, o que estamos a fazer, sobretudo no norte e centro do país, é aumentar fortemente as condensações, que geram bolores, bolores que geram esporos, esporos que nós estamos a inalar e que nos provocam alergias. Por outras palavras, uma coisa é a eficiência energética, outra coisa é o conforto, outra coisa é a saúde e a qualidade do ar, e nós não podemos esquecer estas várias componentes. Se melhorarmos brutalmente a envolvente mas não deixamos entrar ar novo passamos a ter casas muito eficientes mas que põem em causa a qualidade de vida e a saúde de quem as habita. Este é o próximo desafio: colocar janelas de grande qualidade, do ponto de vista de permeabilidade ao ar, mas em compensação encontrar dispositivos controlados, preferencialmente naturais ou mecânicos, que garantam um conjunto de renovações horárias compatível com o nosso clima. Os nórdicos, depois da crise petrolífera da guerra de 1973, adotaram renovações de 0,5 RPA e com essa renovação, superior à nossa atual, chegaram à conclusão que a qualidade do ar nos seus países é inaceitável. Mesmo com temperaturas de -5, -10 ou -15 graus, eles aceitam muito mais caudal de ventilação do que nós. No clima mediterrânico, os hábitos culturais consistem em abrir janelas, sobretudo em certas horas do dia e em certos meses do ano em que a temperatura é amena. É muito importante que isto seja tido em consideração, e que não tornemos os edifícios totalmente herméticos. Esses são bons para não gastar energia mas não são bons para a saúde dos ocupantes.

AT: Tornámos as casas tão estanques que muitas vezes transformamos paredes que deviam ser permeáveis em paredes que não o são, ou seja, fazemos intervenções que resultam em doenças para o próximo edifício. Uma parede é algo muito complexo. As pessoas não se apercebem do conjunto de fenómenos que ocorre numa parede. Impedir que as paredes respirem não só traz problemas às próprias paredes como depois arrasta todos esses problemas de condensações. Muitas das caixilharias que temos são estanques, por vários motivos, nomeadamente pela necessidade de ter um bom isolamento acústico.

Ao nível do ensino, sentem que a retoma já se nota ao nível do interesse dos alunos pela Engenharia Civil?

AT: Eu sinceramente não noto grande retoma. Os cursos de Engenharia, especialmente Civil, estão muito dependentes da conjuntura económica, ou seja, se não temos um mercado que consiga absorver esses novos engenheiros, teremos muita dificuldade em motivá-los para que apareçam, e por isso não me parece que neste momento se sinta uma grande alteração. Acredito que, possivelmente, já batemos no fundo mas não creio que no próximo ano as diferenças sejam assim tão grandes. Estamos a falar do número de alunos que irão frequentar os cursos de Engenharia Civil, e infelizmente não acredito, em especial dentro de algumas universidades, nomeadamente a Universidade de Coimbra, que os números sejam muito diferentes dos verificados nos anos transatos.

Nota isso também ao nível dos projetos desenvolvidos aqui no ITeCons, ou seja, a maior parte é para o mercado externo?

AT: A maior parte dos trabalhos são feitos com a preocupação de tentar que a empresa acabe por conseguir, através dos novos produtos, entrar nos mercados externos. Há uma preocupação crescente, que não é exclusiva da empresa. Em termos de apoios e de projetos há uma preocupação clara, que eu considero correta, de que as empresas tenham capacidade de entrar em mercados internacionais, e por isso tudo fazem para que isso aconteça. O investimento é feito logo à partida e os incentivos existem no pressuposto de que a empresa desenvolva produtos passíveis de serem colocados no estrangeiro.

Eu olho para as nossas empresas e os nossos industriais e tenho de lhes dar os parabéns pelo esforço notável que têm feito. Muitas pessoas não se apercebem mas tem havido um esforço enorme no sentido de sobreviver e depois tentar crescer num mercado que não consegue, de alguma forma, suportar empresas nacionais. Uma empresa que queira sobreviver tem de olhar para os mercados internacionais, e se não o fizer está condenada a não sobreviver. Eu não sinto a retoma de forma vincada.

VPF: Eu acho que nunca mais vamos ter dois mil alunos a procurar um curso de Engenharia Civil, que em Portugal quase não tem diferenciação em termos de estrutura entre universidade e politécnico, nem é possível ter mais de 20 instituições a promover cursos na área da Engenharia Civil. No entanto, sinto que já houve uma inflexão o ano passado e que este ano se vai sentir novamente uma maior procura, que há de tender muito rapidamente para 500 a 600 alunos na área da Engenharia Civil, por uma razão simples: há estudos que mostram que muitos alunos procuram Engenharia Civil por razões familiares, visto que têm pais, tios ou amigos que também trabalham nessa área. A visão muito catastrófica que foi dada em 2011/ 2012 de que a construção era a principal responsável pela crise perpassou muito rapidamente e teve consequências há dois anos, tendo entrado cerca de 300 alunos, o mesmo número de 1977. A minha opinião é de que vamos rapidamente subir, embora para um valor muito inferior ao que tínhamos. Para este ano já se sente, sobretudo na área da reabilitação e nos maiores polos - Porto e Lisboa -, mas também em Coimbra e noutras cidades de caráter histórico, essa melhoria da atividade. Daqui a 10 anos, se entrarem apenas 300 a 400 alunos por ano, Portugal não terá engenheiros civis suficientes. Estou convicto que haverá uma ligeira melhoria, mas nunca para preencher mais de 20 instituições. Por esse mundo fora, quando se averigua a relação entre o número de universidades e o número de habitantes, normalmente fala-se em uma universidade para três milhões e o nosso problema é que temos uma quantidade gigantesca, o que cria uma distorção.

Eu também aplaudo o esforço gigantesco feito pela indústria da construção para sobreviver, mas mais do que sobreviver, há uma procura permanente pela inovação, procurando o mercado externo. Só para dar uma nota, de acordo com os dados disponibilizados, a exportação do setor da construção e mobiliário é de cerca de 16 mil milhões, algo absolutamente gigantesco. Muito desse valor é feito à custa das empresas que, com a sua visão exportadora ou com a prestação de serviços no exterior, tem conseguido manter uma atividade que desapareceu ou que reduziu enormemente no mercado interno.

E também existe um reconhecimento lá fora da qualidade da engenharia civil portuguesa…

AT: Nós continuamos a ter bons cursos. Eu não tenho dúvidas nenhumas disso. Temos alguns alunos que acabam por ir para universidades estrangeiras e têm sucesso.

Eu acho que houve um erro na nossa sociedade, que é a falta de valorização dos cursos intermédios. O erro começou quando acabámos com as escolas industriais, há muitos anos. Depois cometemos um erro tremendo quando quisemos, de alguma forma, transformar os politécnicos em universidades. As escolas industriais tinham um papel muito importante, os politécnicos tinham um papel muito importante num conjunto de cursos intermédios e depois tínhamos as universidades, com outro papel. Perante esse cenário, devíamos ter uma capacidade de ter muitos mais alunos com diferentes perfis. Se não tivermos cuidado, qualquer dia só teremos mestres e doutores, mas depois não temos quadros intermédios e a sociedade também se faz de quadros intermédios. Neste momento, quando temos necessidade de um canalizador ou um eletricista já temos muita dificuldade em arranjar, porque as escolas industriais acabaram há muitos anos.

VPF: Eu estou totalmente de acordo com o que foi dito. É necessário uma formação diferenciada e não temos de hesitar em dizer isso. Não significa que o salário seja diferente, significa é que a sociedade precisa de alguém com perfil universitário de alto nível para certos tipos de estudos e de alguém com uma formação de caráter mais prático, supra especializado, para resolver problemas. A sociedade portuguesa não consegue encarar esse problema e enquanto não o encarar de forma séria vamos ter imensas dificuldades. Há mais de 20 instituições com cursos de Engenharia Civil (universidades e politécnicos), cujos programas das unidades curriculares são semelhantes. Há aí algo de absolutamente insensato, que tem de ser corrigido.

AT: Ter um curso intermédio não tem mal nenhum. A minha vivência dentro do ITeCons obriga-me a contactar com muitas empresas, e conheço muitos administradores que, não tendo formação académica, têm um conhecimento enorme. Não é preciso ser doutor para ser reconhecido. Nós temos, na realidade, pessoas com graus académicos inferiores mas com uma cultura e um conhecimento muito bom para aquilo que exercem. Temos de ter a capacidade de não ter um país que daqui a algum tempo é apenas de doutorados, sem capacidade de os absorver e com uma lacuna enorme de quadros intermédios.

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